Big Little Lies (HBO, 2017); Criada por: David E. Kelley; Direção: Jean-Marc Vallée; Roteiro: David E. Kelley; Elenco: Nicole Kidman, Reese Witherspoon, Shailene Woodley, Laura Dern, Alexander Skarsgård, Adam Scott, Zoë Kravitz, James Tupper, Jefrrey Nordling, Iain Armiage, Darby Camp, Sarah Baker, Santiago Cabrera, Kathryn Newton; Número de Episódios: 07 episódios; Data de Exibição: 19 de Fevereiro a 02 de Abril de 2017;
A crítica contém spoilers.
A maior virtude de Big Littles Lies esteve em tornar impossível, na maior parte do tempo, nos referirmos a minissérie como uma novela. Não que o termo seja no todo pejorativo, mas se encontra nele implicações que geralmente são causadas por um excessivo melodrama e maniqueísmos por vezes de extrema ingenuidade. A minissérie da HBO, apesar de se apropriar de temáticas que comumente se veem retratadas pelo estilo televisivo, dá contornos diferentes ao que acompanhamos ao longo dos episódios. Há tal sobriedade em Big Little Lies que até mesmo a temática, das donas de casa brancas, de alta classe econômica e dos altos círculos sociais, acaba se dissolvendo num drama que é bem conduzido e delineia suas personagens com demasiada segurança, fazendo com que haja uma aproximação direta com o público. Há muito do que é explorado que parece transcender as limitações impostas por todos os ornamentos que se interpõem entre quem protagoniza, ficcionalmente, Big Little Lies e quem a assiste. É uma necessidade que, abordada com inúmeros acertos e numa conjuntura tão bem orquestrada, tem funcionamento dinâmico e se mostra inevitavelmente cativante. Contudo, nem só de elogios a minissérie sobrevive, e muito do que ela consegue acertar se vê refém do próprio elemento que se tinha em mente para levar em frente a narrativa.
A principal motivação, parecia-me, seria mesmo a do assassinato durante a festa beneficente no colégio. Contudo, essa parte da narrativa acabou sendo justamente a mais frágil dentre todas. Seja por ter sido explorada de uma maneira pouco eficiente, afinal, os depoimentos dos quase figurantes do elenco eram sempre tendenciosos, parecendo mesmo atender mais a outro propósito. A forma como eram intercalados falava mais sobre os pré-conceitos estabelecidos pela sociedade para aquelas mulheres, recheado de achismos, do que sobre as próprias circunstâncias que envolviam o acontecido. Nesse propósito, até inusitado, funcionaram muito bem, mas denotam como o assassinato faz parte de um segundo plano que se vê até dispensável, dado o quão interessante se consegue fazer que sejam as personagens principais de Big Little Lies. Só que quando chegamos ao último episódio da minissérie, por fim lidamos com o inevitável. Não à toa é o episódio mais fraco da temporada, que não chega, no todo, a ser ruim em sua execução. A suposição de diversas possibilidades de vítimas e homicidas traz uma construção climática que decaí para o melodramático, culminando ali o flerte que tinha com sua possibilidade novelística. Não é só a maneira como o roteiro e direção se veem à mercê de ter de criar essas suposições, com direito até a inserções constrangedoras em diálogos que delineiem esse perigo iminente, mas como vemos a trama sendo resolvida.
Isto não só porque foi deveras óbvio a atestação de Perry (Alexander Skarsgård) como a vítima de um crime, mas justamente essa sensação de que foi algo justificável é o que torna toda essa parte ainda mais frágil e apela ao maniqueísmo. Não é que esteja errada ou seja uma escolha errada, mas o personagem parece servir a tal propósito e isso se demonstra de uma ingenuidade nociva à minissérie. Perry carecia de um desenvolvimento que também desse ao personagem uma dualidade suficiente para que duvidássemos do ato, mas só se fazia o inverso, ainda mais com a ligação do estupro de Jane (Shailene Woodley) ao histórico do personagem. Aqui não é uma questão de defende-lo, muito pelo contrário. Há uma certa contextualização subentendida da coisa, ressaltada durante o desfecho, quando a edição coloca o embate final das mulheres contra Perry intercalado ao quebrar das ondas em uma rocha que se faz imóvel. Diz muito sobre como o personagem representa essa assimilação da violência, doméstica ou de qualquer outra forma, no cotidiano, principalmente contra as mulheres. Ainda se pode fazer a leitura de que a violência estaria no sangue, por conta do bullying cometido pelo filho do casal Celeste (Nicole Kidman) e Perry. O que não seria verdade, pois sutilmente, e até de maneira muito sensível, Big Little Lies apresenta essa violência da criança como uma consequência de um lar instável. Um trauma que quando não abordado se torna irremediável.
O que não ofusca a trama de violência doméstica que protagonizam Nicole Kidman e Alexander Skarsgård, num desenvolvimento que vai aos poucos, por motivos óbvios, se aprofundando. O desenrolar da narrativa, porém, é tão minucioso e delicado ao tratar da temática que se torna uma ferramenta poderosa em Big Little Lies. Aqui, especialmente, a produção consegue se estender e conversar de forma direta e sincera com o público, se prestando a um serviço que talvez faça mais do que possa parecer. A qualidade é reforçada ainda mais na atuação de Nicole Kidman, que flutua entre os estados da sua personagem com tal competência que acaba se tornando o maior destaque em um elenco recheado de grandes nomes. Todas as atrizes, assim como suas personagens, porém, contribuem de alguma forma crucial, e representam esses diferentes tipos de mulheres que fazem parte de uma ainda maior diversidade que se pode encontrar no cotidiano. É onde se faz valer ainda mais o discurso da personagem de Laura Dern, num diálogo com seu marido logo no primeiro episódio, quando percebemos destacado pela personagem, através do roteiro, a percepção que tanto mulheres como homens tem dela, uma mulher que quebra paradigmas e representa algo que até mesmo dentro de determinado nicho social é visto, equivocadamente, com tais olhares. Um dos grandes trunfos de Big Little Lies é explorar essas camadas de suas personagens.
Muito graças a aptidão de Reese Witherspoon, que é outra atriz a fazer um ótimo trabalho em sua interpretação de uma personagem que, em momentos, se vê presa numa trama corriqueira e velha conhecida dos clichês. Entretanto, se há mais ali, se há o que se desenvolve na personagem, é tanto pela atriz como por suas escolhas. A mais importante sendo, provavelmente, Jean-Marc Vallée, o diretor dos sete episódios. Ele e a atriz já haviam trabalham juntos no ótimo Livre (Wild), e aqui se repete muito do que é visto lá, na estética do diretor, em seu estilo de contar a história. Não se desmerece em nenhum momento o trabalho das atrizes, e a maneira como ele é capaz de retrata-las só faz reforçar sua habilidade e sensibilidade para construir algo assim, com a qualidade que é vista em Big Little Lies. Da trilha sonora que cativou a internet a cada episódio, ao uso inteligente de planos e contraplanos que geralmente se veem tão mecânicos em qualquer produção, ao brilhante trabalho de edição e montagem de Big Little Lies, que aos poucos, assim como as pequenas mentiras do título, foram estabelecendo algo grandioso. Uma obra que, mesmo com alguns percalços ao longo do caminho, se mostra uma produção multifacetada e complexa e, por consequência, irresistível e arrebatadora.
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