É engraçado olhar o recorte de pessoas que acompanham “Riverdale“. A série da CW, baseada nos quadrinhos do Archie, em tons de maturidade juvenil tem seu barulho dividido entre adolescentes e a cinefilia. Chega a ser estranho pensar que a série caiu nas graças de diversos veículos de imprensa de peso, como o New York Times. Mas, para muitas pessoas, a série é considerada constrangedora. Realmente, posto no papel e recortado de seu contexto, é. 

A série, inspirada em uma espécie de “Turma da Mônica” ianque, não tenta em momento algum parecer verossímil para com a realidade. Porém, não abraça a perspectiva distorcida de forma mais aparente de “Twin Peaks“, por exemplo. A série teen busca sempre gravar sem sacadinhas ou choques aparentes que exponham o ridículo, evidenciando como a linguagem visual pode transformar aquele universo completamente surtado em algo hipnótico. O absurdo proposto no texto é levado com seriedade a todo momento. Tal efeito é tão persuasivo que o momento mais anticlimático da série inteira é quando a quarta temporada desce o tom e aborda algo mais palpável com uma “saga” bem Agatha Christie.

Todo esse efeito na audiência ocorre por que um dos grandes atrativos dela é a maleabilidade que impõe aos seus personagens. Após a primeira temporada, onde ela estabelece o campo de ação de cada, ela passa a dilatar isso em prol de uma experimentação anti-narrativa. Tudo está subserviente ao impacto momentâneo. Tal como uma HQ, Roberto Aguirre-Sacasa não se incomoda em mudar a linha editorial em prol desse bem maior. Quando ele decidiu por recolocar cada um nesse ponto inicial após 4 temporadas, soa no mínimo inadequado e contrário a tudo que a série propôs desde então.

Archie sai de um típico bobão para um líder de milícia em questão de dois três episódios; Jughead tem uma tríade de passagem para os serpentes e depois volta a ser o detetive quando necessário; Betty sai de uma psicopata para uma detetive; Veronica sai de Femme Fatale para mafiosa. Não há rédeas ou grandes arcos, apenas o que for necessário para reconhecer o ícone que cada um desses personagens simbolizam. De forma bem pulp, esses personagens esquecem o que se aprendeu nas passagens anteriores se isso favorecer de alguma forma esse novo papel empenhado no momento.

Replicar ícones do subúrbio americano sem entender o quão datado os mesmos são seria algo equivocado demais, ainda havendo o fantasma da série de David Lynch pairando sob qualquer série que busque esse assunto. “Riverdale” busca fazer isso através de um conflito geracional e para com o próprio material base. A trama possui apenas essa espinha dorsal, independente do que esteja ocorrendo, tudo que ocorre respeita esse significado de herança e conflito entre aqueles que foram, estão e serão.

Então, toda a estética abordada remete à essa imagética dos subúrbios dos anos 50 enquanto conflita com luzes neon carpentenianas enquanto a câmera age de forma bem fluida. Essa mise en scene fragmentada , sempre há uma certa reverência às suas inspirações em um jogo neo maneirista bem digno de Adam Wingard, a série do canal aberto é muito única nessa identidade por que ela tem um propósito. Ela expõe de forma bem sútil como esse conflito geracional deturpa o ideal que todos buscam ali.

Nisso, as referências diretas a outras obras ganham um caráter quase satírico por que apenas evidenciam a completa ausência de verossimilhança externa daquele mundinho. Os personagens adolescentes reverenciam obras das mais variadas décadas como se tudo fizesse parte da formação de suas identidades, por que foi. Esses são personagens com uma espécie de consciência da cultura pop que eles presenciaram e fizeram parte. Afinal, o material base é publicado ainda desde 1939. Esses personagens carregam com si a herança de uma cultura que sofreu diversas metamorfoses em quase 100 anos.

Nessa herança quase centenária, as tramas pulp tem nesse caráter comum a sua correlação com o mundo real: O ódio geracional. Cada vez mais, os mais novos sentem o fardo e as consequências das decisões equivocadas dos que vieram antes. Se para a geração Z é ver os Boomers entregando um planeta destruído de forma irreversível e economicamente insustentável, para Jughead é ver sua irmã repetindo atos de violência que ele um dia escreveu. Estamos condenados a repetir a condenação? É isso que o personagem indaga para sua namorada, e o salto temporal de 7 anos na quinta temporada irá buscar responder.

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