Democracia em Vertigem (2019); Direção: Petra Costa; Roteiro: Petra Costa, Carol Pires, David Barker, Moara Passoni; Elenco: –; Duração: 121 minutos; Gênero: Documentário; Produção: Petra Costa, Joanna Natasegara, Shane Boris, Tiago Pavan; País: Brasil; Distribuição: Netflix; Estreia no Brasil: 19 de Junho de 2019;
A queda da então presidente da república Dilma Vana Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, que até então estava no seu quarto mandato presidencial consecutivo, culminou num gigantesca ruptura social e política no país. Não é exagero dizer que o Brasil, a partir daí, se dividiu em dois grupos antagônicos, numa disputa clara por uma narrativa soberana. A destituição de Dilma, em 2016, estabeleceu um fim ao ciclo do PT frente ao governo federal, num processo cheio de arbitrariedades, pondo em questão sua legalidade.
Há uma safra enorme de documentários nacionais partindo deste ponto, contando em diferentes vertentes sobre o que foi o processo de impeachment – ou golpe – que o Brasil sofreu em 2016, conduzindo Michel Temer ao status de presidente. Embora seja um evento que culminou numa mudança brusca de um status quo sociopolítico, ainda é muito recente historicamente para dimensionar as consequências e o legado desse evento. Pode parecer superficial fazer uma análise hoje sobre os motivos que nos levaram a chegar em momentos intermináveis de crises nacionais.
Contudo, “O Processo“, de Maria Augusta Ramos, foi um experimento observacional aonde demostrava as cartas marcadas do tal processo, um tanto que fraudulento. É um legado imagético riquíssimo, a ser assistido, debatido e refletido para posteridade. A cineasta Petra Costa parte de outro princípio, diferente de Augusta Ramos, em seu “Democracia em Vertigem” ela tenta analisar não o impeachment ou a prisão do ex-presidente Lula. Seu ponto é dissecar o eterno estado de crise pelo qual a democracia brasileira passou desde sua gênese.
Nos minutos inicias da projeção, vemos o palácio do Alvorada, moradia do presidente da república, aonde Costa recita com alto lirismo aquilo que pode ser considerado cerne de seu documentário: “Uma presidente destituída. Um presidente preso. O país avançando rapidamente ao seu passado autoritário. Hoje, enquanto sinto o chão se abrir embaixo dos meus pés, temo que nossa democracia tenha sido apenas um sonho efêmero.” Tais palavras são ditas na frente da cadeira que, por suposto, seria do chefe de Estado brasileiro, eleito democraticamente em sufrágio universal.
Costa questiona a própria legalidade de nossa democracia, conquistada através de um golpe militar. O país passa pela ditadura do Estado Novo e, enfim, a ditadura civil e militar, iniciada em 1964. Em 1989, temos a primeira eleição direta do país, iniciando um novo caminho pro Brasil. De 89 até 2006, Luís Inácio Lula da Silva, um dos principais personagens do filme de Petra, foi candidato à presidência. Em 2002 enfim ele consegue, abandonando um discurso de ruptura do establishment para adotar um de conciliação de classes. Foi reeleito na eleição seguinte e saiu como maior líder popular da história desde Getúlio Vargas, elegendo Dilma Rousseff, nossa primeira mulher presidente. Contudo, Lula e o PT abraçaram aquilo que eles sempre combatiam, deixaram o trabalho de base de lado, o ponto mais sintomático é a aliança de Dilma com o PMDB, aceitando ter Michel Temer como vice-presidente. “Se Jesus viesse pro Brasil, ele teria que fazer aliança com Judas”, é assim que o ex-presidente Lula define a aliança com o PMDB de Michel Temer.
Costa não tenta demonstrar vilões na narrativa, mesmo o então deputado Jair Bolsonaro, um dos poucos nomes oposicionistas que aceita dar depoimento, é visto como alguém que ascendeu graças ao vácuo político deixado pós junho de 2013, aonde um profundo movimento anti político tomou conta de setores da sociedade. As resposta dos políticos “tradicionais”, como Dilma e Aécio Neves, influenciaram fundamentalmente a queda do PT e a ascensão de Bolsonaro, hoje presidente do país.
O grande triunfo do longa é conseguir ser didático, contextualizando as questões pelas quais o Brasil está passando, sobretudo a normalização de processos judiciais ilegais, colocando princípios básicos da democracia em xeque. Outro ponto interessante é perceber como grande parte dos atos pós 2013 culminaram justamente no momento que estamos vivendo hoje: A prisão do ex-presidente Lula, até então favorito ao pleito de 2018; os arbítrios da operação lava-jato, o desmonte da economia nacional, a ascensão da direita conservadora em detrimento do apequenamento da esquerda. São reflexões que podem parecer ora superficiais ora equivocadas, levando em conta ainda a necessidade do distanciamento histórico, contudo são fundamentos pertinentes e que devem se perpetuar entorno da narrativa histórica e sociopolítica.
Petra Costa se coloca desde o início muito na narrativa, como num relato pessoal, sobre como ela enxergou os eventos do país. Sinceramente, não consegui criar uma relação intimista com a realizadora, porém, tenho empatia para com seus anseios: da revolução que nunca aconteceu. A utopia que parece que nunca vai acontecer, do país ser uma pátria social. Há uma sensação de revolta, frustração e melancolia sobre o país que nunca será real. Da democracia que parece que nunca vai acontecer.
Essa “vertigem” do título é uma sensação generalizada, embora muitos não estejam cientes, não vivemos um estado de normalidade há muito tempo. Para alguém que cresceu vendo o país ganhando um novo rumo, ver que não temos rumo, o futuro ser uma incógnita, gera não só desespero, como também uma comoção. “Democracia em Vertigem” pouco acrescenta nas perguntas aos quais ela gera, muito talvez por nem mesmo a realizadora saber as respostas. Compete a história nos entrega-las.
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