Muribeca” (2020); Direção: Alcione Ferreira & Camilo Soares; Roteiro: Alcione Ferreira & Camilo Soares; Elenco: –; Duração: 78 minutos; Gênero: Documentário; Produção: Senda; País: Brasil; Distribuição: –; Estreia no Brasil: –;

Quando se conversa sobre valores fundadores de um país, a primeira coisa que vem à cabeça, por diversos motivos, é o mito fundador estadunidense: A corrida ao Oeste. A cultura norte-americana, desde o embrião do país, está com esse ideal pela busca e ocupação de uma nova oportunidade de desvendar novas terras. Como é conhecido, ela gera consequências terríveis, como o completo abandono de regiões que não são mais descobertas e o óbvio processo de genocídio dos povos nativos, mas mesmo esse conhecimento da sua perversão, essa ideia se mantém no imaginário.

É difícil apontar apenas um mito fundador para o Brasil, principalmente porque as regiões passam por estágios diferentes e processos variados ao mesmo tempo, gerando uma figura desconjuntada de nação unida por alguns traços comuns. Um desses traços é a busca por um lar, um lugar para chamar de seu, um sossego. Esse sonho está presente na literatura desde casos mais claros, como Vidas Secas de Graciliano Ramos, até mesmo no Pião da Casa Própria, a utopia do brasileiro está em possuir um teto próprio, não importa como. Muito disso se dá pela história brasileira que está no abandono e expulsão por parte do Estado. A falta de moradia para os escravos libertos trouxe o surgimento das favelas, mesmo havendo locais integrados à cidade que poderiam ser ocupados. Essa é a tônica que segue até o dia de hoje, e quando há exceção, ela é destruída no primeiro interesse mercadológico que aparecer.

É sobre o fim da utopia da casa própria que Muribeca, documentário dirigido pela dupla Camilo Soares e Alcione Ferreira, norteia toda a sua unidade. A partir dos relatos dos moradores do agora abandonado complexo de moradias, os diretores conseguem mesclar imagens do agora e de arquivo para dar à tona a melancolia do fim desse sonho. Com imagens de arquivo que possuem aquele granulado típico do começo das câmeras de vídeo caseiras como um item popular, dando enfoque a cor viva que esses trechos possuem, são pequenos feixes de memórias para a maioria de filmagens mórbidas da atual situação de um bairro que já foi vivo, mas virou um cemitério. O filme sabe dar os respiros necessários para que se possa olhar a vegetação tomando os cenários de tantas alegrias urbanas, as paredes desbotadas, buracos abertos onde havia janelas.

Não existe abordagem hiper cosmética da miséria do momento atual, e as poucas inserções dos momentos nostálgicos evitam uma romantização de um projeto que possuía falhas, esse tom mais sóbrio para toda a questão revela uma maturidade notória, visto que o filme raramente flerta com a síndrome de Petra Costa (“Democracia em Vertigem“). Até mesmo o momento em que a linha entre os dois parece mais tênue, a apresentação da banda em meio aos destroços, parece justificada pelas imagens de arquivo que provam aquele lugar como uma vez antro da cultura do bairro.

Muribeca, portanto, navega pela memória de (mais um) projeto falho e evita, ao abordar o tema de forma equilibrada, cair em ilusões e sonhos ao olhar as ruínas de um lugar que já fora lar.

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