Bumblebee (2018); Direção: Travis Knight; Roteiro: Christina Hodson; Elenco: Hailee Steinfeld, John Cena, Jorge Lendeborg Jr., Pamela Adlon, Jason Drucker, John Ortiz; Duração: 114 minutos; Gênero: Ação, Aventura; Produção: Lorenzo di Bonaventura, Tom DeSanto, Don Murphy, Michael Bay, Mark Vahradian; País: Estados Unidos; Distribuição: Paramount Pictures; Estreia no Brasil: 25 de Dezembro de 2018;
Há uma década que recebíamos de Michael Bay, parecia que incansavelmente, sequências de quase duas horas de explosões desconexas provocadas por robôs gigantes. O elemento humano nunca foi importante, e era tido como mero objeto sem qualquer peso narrativo, se é que alguma vez houve, de fato, alguma narrativa em qualquer Transformers lançado até então. Eis que, de maneira semelhante ao que se apelou com o primeiro filme em 2007, mas agora se atendo a proposta, “Bumblebee” chega aos cinemas trazendo uma jovialidade e um ânimo que não se detém apenas ao marketing, mas marcam o filme do início ao fim.
Travis Knight faz aqui algo semelhante ao visto em seu “Kubo e As Cordas Mágicas”, igualmente lúdico. Todavia, é assumindo as rédeas de uma desgastada franquia que se prova um legítimo e exímio storyteller, porque a forma como conduz a narrativa escrita por Christina Hodson (“Paixão Obsessiva”) é de uma execução que exala competência e, com isso, culmina em um senso de emoção e diversão que se fazem bastante autênticos, dando uma personalidade ao filme que não tem nada a ver com o que até então havia sido feito nas adaptações dos brinquedos da Hasbro. Por isso mesmo é, sem sombra de dúvidas e com vantagem absurda, o melhor -e único bom- Transformers até hoje.
O que o roteiro de Hodson faz é bastante simples, na realidade, a narrativa não apresenta nenhuma novidade em relação ao que já se viu nos cinemas desde tempos mais primordiais. É a simplicidade que permite o funcionamento pleno de todas as tramas que serão apresentadas ao longo do filme, mas é como realmente se dedica a estes elementos que os faz serem mais do que simplórios. Porque os estabelece muito bem e os desenvolve da maneira necessária para que o espectador possa se relacionar com essas figuras com uma emoção condizente ao que se vê em cena e, por fim, é recompensado plenamente com um arco completo.
Aí entram também escolhas de Travis Knight e sua habilidade, agora comprovadamente funcional, em contar histórias. Porque mesmo em seu filme anterior, um dos melhores lançados naquele ano, havia certa simplicidade na narrativa, mas Knight se mostra um cineasta detentor da capacidade de transformar o ordinário em extraordinário, e essa é possivelmente a palavra que melhor define o que vemos se suceder durante “Bumblebee”, especialmente na parte que não conta com os costumeiros embates entre os robôs. É no elemento “humano” que o filme se sobressaí, tanto aos seus predecessores como em relação comparativa a grande maioria dos blockbusters lançados anualmente.
Não passa sem ressalvas, entretanto. O personagem de John Cena, por exemplo, cumpre bem sua função narrativa com o desenvolvimento que recebe, no entanto, muito do caminho do personagem é mais mérito do carisma do ator, porque algumas das cenas que protagoniza, especificamente aquelas que envolvem toda a trama ao lado do exército americano, destoam do restante do filme. Na realidade, essa exibição militarista parece muito mais obrigação com a qual o filme precisa lidar, ao menos é bem mais amena em relação ao que se via nos filmes de Michael Bay, e não há nenhum traço do patriotismo cego e exacerbado aliado a exaltação da cultura armamentista até então explorada.
São nesses momentos, juntamente com a participação dos vilões do filme, os Decepticons, que “Bumblebee” têm seus momentos mais irritantes, onde saltam as gritantes exposições de roteiro e regurgita informações de maneira didática, soando como um filme completamente diferente do que acompanhamos na outra extremidade, com o personagem título, e nem é pelo fato do mesmo não possuir a habilidade da fala. Chega a ser curioso como parece uma necessidade que tudo envolvendo os vilões apresente uma literalidade absurda, e é ruim principalmente porque parece questionar a capacidade de seu espectador. Uma lição do que não fazer nos próximos filmes, e deixar no passado junto com o que um dia foi a franquia.
Porque o que é bem-vindo é o que Hailee Steinfeld faz no filme, sendo possibilitada através do que há de competente no roteiro e de como a direção consegue captar o elemento humano, aquilo que nos toca, ainda que não seja tangente. Travis Knight pode confiar em sua estrela, e Steinfeld faz o que sabe, cativa e emociona, nos envolve, enquanto Knight completa o quadro com sua criatura, e juntos –aí inclusos todos os nomes que trabalharam na produção- entregam uma aventura baseada numa inusitada união e um laço de amizade que se apoia também em poderosas alegorias para se fazer valer.
O resultado é um filme que, seja pelas escolhas musicais, seja por outras obras às quais apela, trabalha num tom de exatidão uma nostalgia que conversa com o âmago do espectador por não apenas usar memórias alheias ao seu benefício, contudo as tornando parte integral de si, construindo uma ponte que conversa também com seus personagens e seu universo. Pela primeira vez na franquia com um coração -e no lugar certo- e, acima de tudo, com inteligência, “Bumblebee” é um coming-of-age que se dedica às diferentes gerações de seu público e se apresenta de forma universal, cimentando o caminho para repaginar a franquia. No entanto, seu maior mérito é ser capaz de conquistar o espectador com o componente emocional baseado em suas qualidades e de forma arrebatadora.
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