As Herdeiras (Las Herederas, 2018); Direção: Marcelo Martinessi; Roteiro: Marcelo Martinessi; Elenco: Ana Brun, Margarita Irún, Ana Ivanova, Nilda Gonzalez, María Martins, Alicia Guerra; Duração: 95 minutos; Gênero: Drama; Produção: Sebastian Pena Escobar, Christoph Friedel, Fernando Epstein, Agustina Chiario, Julia Murat, Hilde Berg, Marina Perales, Xavier Rocher; País: Paraguai, Alemanha, Brasil, Uruguai, Noruega, França; Distribuição: Imovision; Estreia no Brasil: 30 de Agosto de 2018;

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As Herdeiras (Las Herederas), vencedor de 6 categorias no Festival de Cinema de Gramado no último final de semana, começa no olhar subjetivo e tímido de sua protagonista, que espia por uma pequena fresta da porta a história, sua história, ser aos poucos desmantelada.

Depois é ela quem dá as caras, enquanto constrói um novo capítulo para sua história. O mesmo olhar se repete, então, assumindo uma postura voyeurística, da mulher que reencontra sua sexualidade já na casa dos seus 60 anos.

Não que estivesse completamente perdida, talvez dispersa, acomodada em uma vida com sua parceira sem realmente dar atenção às coisas que lhe faziam sentir viva.

É a jornada de uma compreensão de tal plenitude, e recheada de uma beleza lírica, que constrói num ritmo extraordinário uma história onde três vidas se cruzam, e colocam umas às outras em movimento.

Pode-se dizer que é quase um road movie, ainda que tanto destino como viagem, ao menos parcialmente, sejam figurativos, mas conforme seu desenvolvimento é impossível não se ater ao termo.

Assim como parece impossível não remeter à produção nacional “Pela Janela“, protagonizado por uma brilhante Magali Biff. Salvo suas diferenças, é bastante comparável o processo que envolve as protagonistas em ambos os filmes.

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Marcelo Martinessi nos conduz com tanta clareza, dentro das possibilidades, em sua narrativa, que torna seu filme numa experiência singular. Sua calma para desenvolver as personagens, ao invés de tornar a obra em algo monótono, acaba sendo uma pausa contemplativa.

Ele reflete sobre essas personagens e seus estados, essas pessoas que há anos convivem juntas e são apaixonadas, mas que, ainda assim, não deixam transparecer por completo essa afeição de sua relação.

Porque, de certa forma, a herança que ambas carregam não se trata apenas no que diz respeito aos bens de suas famílias, que agora vendem para suprir suas dívidas.

Há também o receio em relação a esse estigma, ainda tratado com vergonhoso e irracional preconceito, que as tornou nestas figuras contidas.

Uma vez separadas, deveras à contragosto e para desamparo de uma delas, as duas passam a explorar a solidão, em um sentido também figurado, cada uma à sua maneira.

Nos encontros esporádicos as desavenças se tornam mais claras, mas o romance entre as duas sempre impera sobre qualquer empecilho. Chela (Ana Brun), afinal, sempre está lá para ir de encontro a Chiquita (Margarita Irun).

Mas é sutilmente que As Herdeiras justapõe a vida à parte de ambas e inverte os polos da relação, pois, no fim das contas, quando uma parecia ser mais dependente da outra, tudo torna-se uma reviravolta que espirala em mudanças que podem não ter retorno.

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É belíssima a maneira como Martinessi retrata tudo isto, numa direção de fotografia muito inspirada e bastante poética, e é num jogo de composição que começa a jornada.

Quando Chela avista Angy (Ana Ivanova) pela primeira vez, a jovem a trata como aqueles dois bustos entre os quais a acanhada senhora se encontra, uma imóvel lembrança de algo passado.

Por mais que Ana Ivanova e Margarita Irun estejam muito bem em seus papéis, complementando a narrativa com trabalhos que merecem todos os méritos que tem recebido, o filme pertence, de fato, a Ana Brun.

É irônico querer falar no quão descomunal é o trabalho da atriz, pois ele é todo pautado em delicadezas. Mas o amadurecimento da personagem dentro da narrativa é tão natural e envolvente que impressiona.

Ana Brun consegue galgar cena após cena um espaço na memória do espectador, porque é um trabalho assim tão memorável. Torcemos, a cada momento, para que ela vá além, se liberte dos limites que impôs a si mesma.

Como a atriz nos torna tão imersos na jornada de sua personagem, em viagens para lá e para cá, é o principal trunfo de As Herdeiras, que de um olhar tímido entre frestas, nos deixa, por fim, frente as portas (ou portões) escancarados, livres para trilhar nossos próprios caminhos.

As Herdeiras – Trailer Legendado:

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