Eternos (“Eternals”, 2021); Direção: Chloé Zhao; Roteiro: Chloé Zhao e Chloé Zhao & Patrick Burleigh e Ryan Firpo & Kaz Firpo; Elenco: Gemma Chan, Richard Madden, Kumail Nanjiani, Lia McHugh, Brian Tyree Henry, Lauren Ridloff, Barry Keoghan, Don Lee, Harish Patel, Kit Harington, Salma Hayek, Angelina Jolie; Duração: 156 minutos; Gênero: Ação, Aventura, Drama, Fantasia; Produção: Kevin Feige, Nate Moore; País: Estados Unidos; Distribuição: Walt Disney Studios; Estreia no Brasil: 04 de Novembro de 2021;
Em todos os mais de 10 anos do Universo construído pela Marvel nos cinemas, todos os filmes sempre tiveram uma dependência entre si de sentimentos no geral, alguns servindo até como uma espécie de trailer para o próximo grande capítulo. A ansiedade pela curiosidade de descobrir o que isso ou aquilo significa ou o que acontecerá. Até emocionalmente essa necessidade de conexão sempre se fez muito relevante. Uma exceção, em partes, foi quando o estúdio produziu, até então, seu melhor filme: “Pantera Negra”. A especificidade temática do filme de Ryan Coogler o elevou a outro patamar e deixou um marco. Ainda assim, faltava algo ali. Algo que talvez somente uma vencedora do Oscar de Melhor Direção, e um fenômeno absoluto em ascensão, pudesse ser capaz de extrair para além do padrão ou genérico que Kevin Feige se orgulha em ostentar após todos esses anos. É óbvio que “Eternos” não foge da fórmula clássica da narrativa de filmes de heróis, mas a maneira como Chloé Zhao dá a vida a seus personagens é o que faz toda a diferença para que esse seja, de longe, o filme ou a produção audiovisual mais madura já lançada pelo estúdio nesse projeto que dura mais de uma década.
Certamente existem vários pontos que podiam ser melhor polidos. Uma resolução se debruça muito sobre o que falo no início do texto; um dos antagonistas do filme tem uma trama um tanto convoluta e difícil de amarrar a trama principal. Enquanto um se vê como uma necessidade para o filme como franquia, outro deixa a sensação de que o paralelo podia ser explorado com mais força, mesmo o filme já tendo mais de duas horas. A questão é que parece mais uma ideia jogada ali do que um desenvolvimento totalmente consciente daquele conceito. Até porque bastante do foco do filme recaí sobre o desenvolvimento de seus personagens e muitos conflitos internos e dramáticos entre eles. “Eternos” é, sem duvidas, o filme mais complexo da Marvel nesse sentido, ao mesmo tempo em que é também um dos mais complexos do gênero. Tudo pela maneira como Chloé Zhao encara seus personagens e utiliza seu elenco. Os alívios cômicos recorrentes da Marvel estão ali, como sempre. Talvez até funcionem melhor que o usual porque seus momentos são mais propícios. Em contrapartida, estão ali também temas que esses filmes tem muita dificuldade em lidar, senão simplesmente o puro desinteresse. O que geralmente acaba tornando tudo muito indiferente.
E o que Chloé Zhao evoca em “Eternos” são sentimentos verdadeiros, emoções verdadeiras. Para além da artificialidade de seus personagens, ela consegue trabalhar coisas sinceras que trazem à vida, através do elenco, figuras que são tocantes. É um filme emocionalmente rico, ainda que algumas atuações não fujam do padrão. Na figura de Gemma Chan (“Podres de Rico“), no entanto, a cineasta encontra uma voz com a qual fala diretamente com o público, e é poderosa. O primeiro grande papel de destaque da atriz e, junto de Zhao, ela constrói uma personagem que é o coração dos Eternos, tanto do grupo como do filme. Um elemento central que funciona tão bem porque tem a companhia de temas que são explorados muito bem pelo filme. Um deles é o luto, a maneira com a qual uma perda afeta a percepção e a vida dos Eternos que seguem com suas vidas na Terra após milênios. É algo que abre portas para cenas emocionalmente muito intensas, como a da discussão dos heróis em Tenochtitlán, que a direção de Zhao faz toda a diferença, extraindo do elenco um momento raro em filmes dessa escala, que são tão passageiros. É marcante porque é pesado, e é pesado porque o desenvolvimento dramático até ali é certeiro.
Ainda que a decupagem não vá muito além do padrão industrial hollywoodiano, Chloé Zhao também faz um filme tecnicamente inspirado e esteticamente apurado. Não é só seu trabalho com atores que se destaca, mas seu controle sobre o todo. Seu senso de escala é muito preciso e precioso quando o Celestial Arishem se faz presente no filme. As principais sequências de ação, no entanto, são quando a personagem da Angelina Jolie está envolvida. Sendo as que mais se destacam no filme. Outras soam mais genéricas, ainda que resguardem algumas características interessantes e até uma iluminação mais dinâmica e realista do que se vê usualmente. No quesito entretenimento, “Eternos” também entrega o necessário para um filme dessa escala. Com certeza podia ir além, e quem sabe não vá em uma eventual sequência. Contudo, a parte dos poderes dos Eternos, sejam eles quais forem, é estabelecida de forma a fazer um parâmetro muito interessante e talvez o que mais cause estranhamento em relação ao filme, porque mesmo que seja de maneira sutil, Chloé Zhao tece uma crítica mais que pertinente ao fundamentalismo e aos riscos que essa crença cega traz. Não que seja uma novidade, mas é um discurso certeiro aqui.
E assim o é porque Chloé Zhao abraça em “Eternos” a cafonice de seus super-heróis, vestidos à lá Power Rangers. Porque ela desconstrói esse ideal de perfeição heroica americana, ao fragilizar seus personagens. Ao humanizar essa artificialidade que até então os vimos ostentar como integridade, ela derruba o mito intocável e imbatível. Ao mesmo tempo em que isso não torna nenhum deles à prova de falhas ou capazes de ter empatia para além do seu propósito, também os torna aptos a um ato de egoísmo tão humano quanto possível. Zhao se coloca no filme através de seus personagens, desejando essa fragilidade que os torna mais poderosos e nos mostra como pode ser bonito encarar essas figuras.