Pegando a Estrada” (“Jaddeh Khaki“, 2021); Direção: Panah Panahi; Roteiro: Panah Panahi; Elenco: Hassan Madjooni, Pantea Panahiha, Rayan Sarlak, Amin Simiar; Duração: 93 minutos; Gênero: Drama; Produção: Panah Panahi, Mastaneh Mohajer; País: Irã; Distribuição: –; Estreia no Brasil: –;

Uma das definições de deslocamento seria o ato de mudança de uma pessoa ou objeto de um local para outro diferente. Em suma, sair de um lugar para outro. Essa pode ser uma definição bem simplista do cerne dos filmes pertencentes ao gênero cinematográfico road movies. O principal centro narrativo nunca são os pontos de origem ou destino, mas sim a travessia pelo qual os personagens atravessam e pelas quais vão remodelá-los. Muitos são os desdobramentos, portanto, deste rito.

A estreia no cinema do cineasta Panah Panahi, filho do também cineasta Jafar Panahi, se apropria dos elementos do road movie para conduzir numa jornada lírica e política, sobre a fuga como ato de liberdade e resistência. “Pegando a Estrada” acontece, quase todo, num carro, onde uma família caótica está enclausurada, viajando para um destino não conhecido. O pai está com a perna quebrada, o cachorro encontra-se enfermo, a mãe tenta manter o equilíbrio, mas está exaurida, beirando ao desespero. O irmão mais novo tenta se distrair de forma lúdica, enquanto o mais velho está irritado, tentando manter a calma, porém transparecendo sua inquietude. A questão do destino final pouco importa, o mais curioso, contudo, é por qual motivo cada integrante da família se encontra num estado tão particular e diferente do outro. 

O interessante na direção do Panahi é como ele tenta construir sua cinematografia, independente do peso de seu sobrenome. Seu pai se popularizou com um pseudo cinema mockumentary elaborando uma narrativa que, embora encenada, consegue emular um naturalismo orgânico. Já o filho, usa de diferentes recursos visuais, para construir um realismo poético, usando como principal recurso narrativo o ponto de vista majoritário do irmão mais novo, que enxerga todos aqueles eventos como uma aventura impressionante, análoga aos grandes filmes de viagem espacial.

Cada ator desempenha com bastante simpatia e carisma seu personagem, de fato, aquele carro consegue transpor diferentes mundos em conflito: O desespero da mãe para com sua família; a relutância da passividade do pai; o irmão mais velho que beira a transgredir perante as rígidas convenções e a total despreocupação e divertimento do irmão mais novo, vendo aquilo como uma forma de aproveitar a família e ter uma estória única para contar. O que molda e move os personagens está presente no subtexto. Apesar dos muitos diálogos contidos na obra, as questões majoritárias refletem o cotidiano daquela família e o meio ao qual estão inseridos, os conflitos culminantes naquela viagem são deixados nas entrelinhas, permitindo a liberdade do espectador em achar o que quiser.

A forma como Panahi consegue usar dos seus cenários, seja o carro enclausurante em contraste a vastidão do deserto presente no noroeste do Irã, ou mesmo os locais onde eles param para abastecer o carro. É um belo caso de que se pode elaborar muito com pouco, basta centralizar nas questões humanas, nos personagens e a forma como o meio os influencia – do escapismo do cotidiano ou a celebração daquele espaço natural, que não deixa de ser parte deles, do seu país. Panahi evoca na sua estreia cinematográfica ser um cineasta das sutilezas e dos dramas factíveis humanos, remete imediatamente ao também iraniano Abbas Kiarostami, como não traçar um diálogo entre o irmão mais novo que se perde na vasta imaginação e tenta criar um enredo de sua viagem, com o menino que entra numa missão implacável de devolver o caderno para o amigo de escola em “Onde fica a Casa do Amigo? (1987)”.

É um filme que consegue ser político por si só, para além do seu subtexto, e fundamentalmente por valorizar seus personagens, os dramas humanos e a situação familiar. “Pegando a Estrada” é um exemplo lindo de como o cinema consegue ir muito longe, valorizando não apenas a travessia, mas principalmente seus passageiros. E isso não é pouco.

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