O burburinho entorno do projeto começou em Sundance desse ano, após arrebatar crítica e pública, ser aplaudido, ganhar os principais prêmios do festival e ainda ser o longa metragem independente vendido ao maior preço já visto na história do festival. Além disso, o filme é homônimo de outra obra americana dos anos 10, dirigida por ninguém menos que um dos maiores diretores da época: D.W. Griffit, porém contendo um conteúdo totalmente racista e discriminatório, abordando a guerra de secessão no ponta de vista dos brancos. Agora, o ponto de vista é dos negros, assim como a luta e o anseio por liberdade, direitos e representatividade, algo constante e necessário no debate nos tempos de hoje.
Dirigido, estrelado e produzido por Nate Parker, um ator com estigma de coadjuvante em outros projetos na indústria, tendo o próprio acumular múltiplas funções para tornar o projeto real, em meio a indústria do “Oscar So White”, da plena falta de representação do negro em todos os espaços, sobrando papeis secundários ou estereotipados. Nate então tenta ir na contramão disso, produzindo um filme predominantemente negro, por causa de seu elenco e seu olhar, sobretudo, em contar uma estória de escravidão em moldes não muito convencionais, em prol da rebeldia das correntes escravocratas, algo não muito comum aos filmes da temática, principalmente se depararmos a quantidade de diretores brancos dissertando sobre o tema. Enfim um negro teve a coragem de colocar a cara a tapa e falar sobre isso.
As comparações com ainda “recente” 12 Anos de Escravidão do Steven McQueen (2012) são inegáveis, o primeiro ato do longa remete inclusive a estética narrativa do filme de McQueen. Contudo, contrariando aos pensamentos comuns, vindouros após assistir o trailer ou ler algo sobre o Nascimento, não se trata de um filme de escravidão. Trata-se de um filme de revolução, da inconformidade, do nascimento de uma ideia, da disseminação dela, de como ela infecta uma sociedade majoritária e marginalidade e conclama ela para luta em prol de afirmação. É um filme para instigar, provocar e incomodar, é impossível se fazer de indiferente diante de tantos socos no estômago que Nate Parker nos dá, de forma constante, não há um momento de brecha na qual podemos respirar, é paulada a projeção inteira, seja de forma direta ou ainda subjetiva.
O filme não é perfeito, o primeiro ato soa totalmente desperdiçado, não faz muito sentido aquilo na composição da narrativa e na construção do personagem principal, soa repetitivo de outros filmes do gênero. Outra coisa pra lá de bizarra é o fato de “Nascimento de uma Nação” tentar abordar, de forma tímida, os princípios culturais e religiosos de matriz africana na influência étnica da sociedade negra nos Estados Unidos durante a escravidão, porém são coisas tão jogadas que tornam tudo meio banal – rebaixa ao misticismo a cultura africana, um olhar periférico do assunto. É estranho um negro contar uma história sobre uma rebelião de negros, tendo como influência principal a bíblia cristã na qual o protagonista foi doutrinado por seus “donos” brancos. A alusão de que Nate (também nome do personagem vivido por Parker) seria encarnação/representação de Jesus Cristo é interessante e pujante, pois literalmente Jesus representou a luta em prol de princípios universalizados – banalizados por seguidores cristãos na maioria das vezes – como a liberdade, igualdade e o amor na essência da vida.
O elenco no geral é muito bom, Nate Parker tem uma dramaticidade até então escondida, ele urge para luta no olhar, não necessariamente no grito. Armie Hammer, um ator no qual sempre achei bastante canastra, está muito bem dirigido e desempenha, talvez, sua melhor performance da carreira. Falando nisso, a direção de Parker é extremamente competente, contando uma história com nuances, foge do óbvio e do panfleto, deixa aberta ao público várias questões espinhosas, não usa de maniqueísmo para abordar a questão, apenas ataca, incomoda e provoca o público ao debate urgente, não meramente de representatividade ou de direitos, mas do simples direito de visibilidade dentro da sociedade que tenta não enxergar as minorias, ainda hoje e ainda amanhã, tentando diminuir filmes assim na sua essência, por serem formadores de opinião, terem ideia própria que incita ao público atos novos na sociedade. É um filme necessário, sem a menor dúvida, que só por isso já valeria a pena. Porém se trata de um filme completo, complexo e essencial, passando a ser uma experiência humana, que consegue dialogar com negros e brancos, em prol de uma causa que urgentemente precisa ser comum, de todos nós.
TRAILER LEGENDADO