Direção: Ava DuVernay
Roteiro: Spencer Averick, Ava DuVernay
Elenco: —
Duração: 100 minutos
Gênero: Documentário
Produção: Howard Barish, Ava DuVernay, Spencer Averick
Distribuição: Netflix
País de Origem: EUA
Estreia no Brasil: 07 de Outubro de 2016
Censura: Não recomendado para menores de 16 anos
Com A 13ª Emenda (13th) a diretora Ava DuVernay parece potencializar um discurso iniciado em Selma – Uma Luta Pela Igualdade (Selma), e isso por parte dela mesma. Porque se em seu documentário ela consegue fazer essa ponte, com eventos ocorridos há quase meio século atrás, é porque está acontecendo algo que não devia. Assim, partindo da premissa de uma brecha na 13ª emenda da constituição norte-americana, estabelecida no século XIX, que prevê a proibição da escravidão e servidão involuntária, mas as permite em casos relacionados a condenados criminalmente, Ava DuVernay lança um olhar sobre exploração ilegal do indivíduo e a redução dos seus direitos.
O que A 13ª Emenda tenta construir é um panorama sobre a atual situação carcerária, e consequentemente social, dos Estados Unidos, país dono da terceira maior população mundial e o quarto maior em área total. Contando com 5% do total da população mundial, a estatística que mais surpreende, no entanto, é a população carcerária do país, que representa 25% do total no mundo. O que quer dizer que, a cada quatro pessoas no mundo, uma está presa nos Estados Unidos. Há, ainda, grandes probabilidades de ser um afro-americano, dada as discrepâncias no tratamento frente as outras parcelas da população, onde a maior economia mundial exerce seu papel com maestria.
Para construir seu panorama, Ava DuVernay faz o óbvio, e seus entrevistados vão nos conduzindo pelos momentos históricos que definiram a ação de tal emenda ao longo dos anos. O mais interessante é, entretanto, a maneira como a diretora e seu editor, e também co-roteirista, Spencer Averick, encontram para gerar o que é, basicamente, uma colcha de retalhos. Como não temos perguntas sendo feitas em cena, existem duas possibilidades: Ava DuVernay fez as perguntas certas ou se tratam de ocorrências tão corriqueiras que o aprofundamento no tema revela as falhas tão superficiais do sistema que rege essas vidas.
O que surpreende é a maneira como A 13ª Emenda consegue criar um clima demasiadamente envolvente, se tornando hipnotizante quando as declarações dos entrevistados se conectam umas às outras, se completam e se costuram, via mãos dos realizadores, num discurso que estabelece um panorama que seria contundente em qualquer período histórico, mas no momento contemporâneo que se vive, principalmente nos Estados Unidos, se faz também de uma urgência tamanha. O poder com o qual Ava DuVernay consegue demonstrar isso é capaz de causar uma reação catártica que se faz necessária no momento, mas também revelando a persistência de um estigma.
Portanto, A 13ª Emenda toma uma posição imparcial, debatendo a violência policial, o movimento Black Lives Matter e a atual corrida presidencial norte-americana. O que conversa diretamente com um dos períodos políticos que mais contribuiu para o aumento da população carcerária do país, quando Bill Clinton, marido da atual candidata à presidência, Hillary Clinton, foi o presidente do país, aprovando medidas que, mais recentemente, ele mesmo afirmou estarem equivocadas. Contudo, hoje também criticando tais medidas, o documentário deixa claro que a própria Hillary Clinton apoiou esforços condenáveis da mídia ao retratar afro-americanos como “superpredadores”, uma atitude deplorável e que surtiu seus efeitos.
No entanto, o maior dos efeitos de A 13ª Emenda está em uma de suas montagens finais, que falam abertamente da maneira como a campanha de Donald Trump se desenrolou ao longo do ano eleitoral de 2016. A justaposição de imagens, de um período onde havia uma segregação e um ódio criminoso de um lado, e das confusões e declarações de Donald Trump em seus eventos de outro, Ava DuVernay não crítica só o candidato mais controverso na história do país, mas um estado de ignorância que se vê estagnado ao longo dos anos, encantado por um conto que dá um tom de vilania às minorias.
Ali vem todo o questionamento de uma política feita unilateralmente, onde preconceito e xenofobia regem uma atitude frente ao afro-americano que, encurralado frente a leis que, mesmo que não assim referidas, são ainda segregacionistas. A terra dos livres, no entanto, pouco interesse tem no desenvolvimento e na melhoria da qualidade de vida dessa sua parcela da população. O que, por um lado, quando renegado esse reconhecimento e esse tratamento com igualdade, acaba causando uma influência negativa em todo o restante da população. É um ciclo vicioso onde a negligência e a precipitação, baseadas em rótulos raciais, não abre espaço ou oportunidades para a mudança no geral.
Algo que acontece desde antes do estabelecimento de uma emenda que abre uma brecha tão inconsequente, a um diretor tão prestigiado como D.W. Griffith e seu equivocado O Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation), até o atual candidato à presidência dos Estados Unidos. Mas na era digital, onde vozes são ouvidas com maior facilidade e a diversidade se faz presente, por que nada muda? Numa construção do afro-americano tão constante como a de uma figura marginal que oferece tais ameaças, a comodidade se torna uma opção mais do que palpável, porque é mais fácil aceitar tais ideias, impostas desde o princípio onde direitos eram um distante sonho dos escravos. É chocante, então, quando confrontamos a realidade, porque se tolerou-se uma quantidade inumerável de atos cruéis ao longo de anos de luta por direitos, igualdade, melhorias e respeito, não é tão surpreendente ver que desempenhamos um mesmo papel, de espectadores tolerantes.
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