Por Filippo Pitanga

– Première Brasil –

“Redemoinho”: respostas do ator Júlio Andrade coprotagonista do filme com Irandhir Santos e Dira Paes. Mediação pelo crítico Luiz Carlos Merten com presença do diretor José Luiz Villamarim, o protagonista Júlio Andrade, o diretor de fotografia Walter Carvalho, a produtora Vania Catani e muito mais.

No primeiro time, a revelação “Sob as Sombras” de Babak Anvar, um excelente horror psicológico iraniano, sim, iraniano, com coprodução internacional, inclusive inglesa, o que garantiu orçamento o suficiente para efeitos visuais computadorizados bastante eficientes. A história de uma típica mãe sozinha com a filha em casa, enquanto o marido vai à guerra, e tem de lutar contra os arquétipos sociais já pesados contra suas aspirações de autonomia e trabalho, ao mesmo tempo em que tais angústias começam a se manifestar de maneira fantasmagórica no prédio onde mora desde um bombardeio que ameaça a vida de todos ali dentro. Ótima metáfora para uma crônica político-religiosa sob a opressão do hijab. Depois, o laureado com o Leão de prata de direção, “Paraíso”, de Andrei Konchalovsky, numa coprodução russa e alemã, tentando um novo enfoque sobre o tema explorado anualmente da 2ª GM. Aqui, uma princesa russa, na grande atuação de Julia Vysotskaya, fragilmente segura e confiantemente vulnerável, tenta sobreviver ao Holocausto no jogo de sedução e controle em que a colocam dois comandantes poderosos, um francês e um alemão nazista. Tudo exprimido numa linguagem bolada de forma cuidadosa e metafórica, em P&B e com janela de projeção reduzida para aproveitar melhor a fotografia, entremeada por planos fixos dos três protagonistas se confessando para a câmera em uma situação paralela à narrativa principal, que só será explicada no final.

As decepções ficam com “Dog Eat Dog” do diretor/roteirista Paul Schrader, de cults como “A Marca da Pantera” e “O Gigolô Americano”, que tenta fazer uma paródia de filme de máfia com Nicolas Cage e Willem Dafoe, que, apesar de uma estética interessante inspirada em quadrinhos tipo Frank Miller, e uma construção de personagens loucos e psicóticos fora do padrão, acaba desperdiçando o desenvolvimento de forma tola e previsível, não honrando o prelúdio do início do filme, melhor construído que todo o resto. E também “Spa Night”, de Andrew Ahn, sobre uma família coreana imigrante nos EUA, cujo filho tem problemas com sua própria descoberta sexual enquanto a família se atola em dívidas ante o sonho americano de oportunidades não realizadas. Até que o filho aceita um emprego numa casa de banhos, e se digladia com seus impulsos homossexuais. Muitas ideias soltas e mal acabadas, não se decidindo entre o assunto família, sexualidade ou política econômica para estrangeiros no país.

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Elenco de “Divina Divas” apresentando o filme
Vale ressaltar os documentários brasileiros, em competição ou não, como, respectivamente, “Divinas Divas”, de Leandra Leal, uma grande pantomima colorida e ácida sobre as transgressões na sociedade creditadas à cultura trans e travestida, com as divas do título que fizeram história no Teatro da família da diretora Leandra Leal, ao mesmo tempo em que tiveram de lutar por seus direitos contra discriminação e preconceito, desde a Ditadura até os dias de hoje em que enfrentam a terceira idade com muita dignidade e arte. E, claro, “Cinema Novo”, de Eryk Rocha, ganhador no último Festival de Cannes na modalidade documentário, onde o filho de Glauber Rocha usa imagens de arquivo e partes dos filmes e entrevistas dos próprios realizadores do movimento cinemanovista para falarem por si mesmos, além de gerar uma reação sensorial com a brilhante montagem de cenas de filmes diferentes, mas com um mesmo tratamento de restauração e depuração, para soarem como uma grande identidade de nosso cinema nacional.
No segundo dia, as obras que brilharam ficaram por conta de um vampiro da vida real com “A Transfiguração”, de Michael O’Shea, que se inspira e homenageia clássicos do gênero, especialmente “Nosferatu” e o sueco “Deixe Ela Entrar”, para botar de novo o mito dos sanguessugas na vanguarda cinematográfica autoral, como um jovem negro e pobre do gueto que devolve ao gueto as péssimas condições em que é forçado a viver. Obra com tom quase documental, câmera na mão e luz natural. E o genial diretor coreano Hong Sang-Soo mais uma vez é contemplado pelo Festival do Rio com sua mais recente obra “Você e os Seus”, onde ele segue a trilha de elegância cinematográfica do engano de percepção e dualidade de personagens que já havia exaltado na obra ímpar “Certo Agora, Errado Antes”. Em seu novo filme, o diretor usa o que seria um romance trivial para criar uma rede de intrigas e fofocas em cima da namorada do protagonista que pode ou não: ter uma gêmea ou múltiplas personalidades, ou sofrer de apagão alcoólico ou perda da memória recente, ou simplesmente ser uma dissimulada. Ou nenhuma das respostas acima. E o faz com uma simplicidade extremamente visual, mesclada à complexidade do roteiro e diálogos afiados.
 
Claro que o dia não estaria completo sem a maior decepção: “Christine” de Antonio Campos, filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes, numa produção internacional com a atriz Rebecca Hall interpretando de forma histriônica e em meio à uma reconstituição de época exagerada e caricatural a história real de uma jornalista que enlouqueceu na frente das câmeras. Pena que o desequilíbrio dos elementos narrativos a vitimizam ao invés de investir em criar identificação, o que acarreta que seja vista como louca ao invés de como resultado da opressão social dos dogmas injustos de gênero e classe da década de 70 pós Vietnã, onde a TV exigia uma realidade muito mais distorcida e violenta por audiência.

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