A premissa inicial de “Animal Político”, novo longa da Sessão Vitrine de Cinema, poderia gerar a impressão que já vimos esse enredo antes: um indivíduo urbano vive numa vida de classe média, goza dos principais benefícios disso, tem uma rotina estável, com vários amigos e uma família muito amável. Entretanto, um dia, às vésperas do Natal, tem uma crise existencial, destoando um vazio vasto dentro de si, forçando-se a se exilar no campo em busca de um sentido da vida. Tal estória poderia até pairar no lugar comum se esse protagonista não fosse ninguém menos de um animal, no caso uma vaca chamada Cerveja.


Perante o absurdo, o cineasta pernambucano Tião, em seu primeiro longa-metragem, busca escandalizar o espectador comparando o ser humano com uma vaca, deixando implícito que não somos mesmos melhores que esses animais, inclusive conseguimos ser até piores, diante da nossa ganância devastadora.
A alusão do título do longa ao argumento aristotélico de que os homens são animais políticos por natureza e tem como objetivo final a felicidade plena é um alicerce do argumento na composição da trajetória da Vaca na qual nós aceitamos acompanhar ao longo da projeção. Ela carrega consigo toda uma bagagem de problemas decorrentes da sociedade capitalista – o individualismo, a opressão, a falsa liberdade etc. Não por acaso Cerveja é um animal humanizado, pois consigo há os dilemas da humanidade, hoje em dia mais preocupado em conquistar seu lugar no mundo do que propriamente a sua felicidade, ainda que tenha que passar por cima de quem for para conseguir isso, não é estranho, portanto, que nosso “herói” tenha se desgastado com aquele ambiente ao qual vivia e preferiu de exilar em busca de respostas, ainda que sem fazer as perguntas nas quais o aflige, dilema fácil de qualquer um se identificar de prontidão.


O longa-metragem pode ser considerado facilmente um membro do cinema trash, contudo é um erro considerar isso um demérito – muito pelo contrário, inclusive. Sua argumentação filosófica é tão embasada que consegue carregar o longa durante sua projeção, ainda que não tenha uma direção grandiloquente nos parâmetros cinematográficos, ela é precisa em usar a potência narrativa do seu texto, tornando uma experimentação cínica, irônica em não levar seu público a sério, ao mesmo tempo que leva a si, uma controvérsia na qual mais soa como uma provocação, um cinema de autor ímpar e extremamente corajoso, levando em conta se tratar do primeiro trabalho do diretor, soa bastante ousado e, ouso dizer – pra não perder o jogo de palavras – bastante necessário, sobretudo no momento social ao qual passamos.


É um filme para se levar a sério e carregar para casa, após a sessão, os dilemas filosóficos ao qual propõe? Uma pergunta na qual cada expectador tem que responder após a experimentação, contudo é muito difícil, quase impossível, ficar indiferente perante a obra exibida. Portanto, vale a chance de conferir, principalmente pela percepção que somos cada vez mais vacas do que humanos, vivendo numa saga em busca de respostas, mas sem nem ao menos saber quais perguntas temos que fazer. Não a outras pessoas, deuses ou entidades, mas sim a nós, antes de tudo.
“Animal Político” é um longa-metragem que não tenta mudar a sociedade, porém quer sim confronta-la, nem que seja para percebemos os caminhos torpes aos quais caminhamos, cada vez mais nos desumanizando e nos tornando, sim, animais. Nada mais irônico –ou profético? – que receber essa lição de uma vaca.

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