O Som ao Redor – Brasil, 2012 
Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Gustavo Jahn, Irandhir Santos, Irma Brown, Lula Terra, Maeve Jinkings, Sebastião Formiga, W. J. Solha, Waldemar José Solha, Yuri Holanda, Nivaldo Nascimento
Duração: 2h 11m

Sons ao redor, imagens sonoras…

O retorno ao primeiro longa metragem do diretor e roteirista Kleber Mendonça Filho evidencia a rua que poderia ser chamada de “Brasis” e como é revigorante ver o crescimento de Kleber no decorrer dos seus filmes.

Prosear sobre “O Som ao Redor” é trazer primeiramente a estética cinematográfica do Kleber, que ao longo de seu trabalho, passando pelos seus curtas como Eletrodoméstica (2005), Recife Frio (2009), etc. Até a chegada de seus longas, que são fundamentais para o cinema nacional dos últimos anos, O Som Ao Redor (2012), Aquarius (2016) e Bacurau (2019). E poderíamos simbolizar em uma única palavra as narrativas criadas por Kleber: cotidiano.

Em suas obras, especificamente, aqui irei focar nas questões elaboradas em “O Som ao Redor”, o cotidiano de rua é a simbolização das relações sociais permanentes em nossas vidas. E como nossa história ainda é um passado que trocou de roupa para manter seus padrões e egos sociais. “O Som ao Redor” traz múltiplos símbolos, nos quais não pretendo finalizar uma discussão sobre todos os seus significados, mas sim abrir uma conversa sobre as possibilidades de expandirmos os olhares e sons de nossos cotidianos. 

Algo marcante na história é a representação do personagem Sr.Francisco interpretado pelo ator e escritor Waldemar José Solha pois retrata o coronelismo existente em nossos “Brasis” desde a chamada República Velha que se inicia em 1889 e vai até meados de 1930. Na qual se constituiu em um  sistema que mantinha a concentração de poder na mãos de poucos, dessa forma detendo o poder econômico, social e político. Estranho compilar em poucas palavras a definição de uma época que ao lermos percebemos ainda não passou…apenas uma nova roupagem e símbolos, e na qual algumas práticas políticas da época do coronelismo vigoram até hoje. O personagem Sr.Francisco é identificado como a Casa Grande qual temos que pedir permissão para prosseguirmos o cotidiano de nossas vidas, essa passagem fica marcante quando os seguranças Clodoaldo (Irandhir Santos) e Fernando (Nivaldo Nascimento) vão pedir a “bênção” para poderem prosseguir o serviço de seguranças da rua.  Mas recebem logo o aviso que o neto Dinho é sim um problema para a rua, causando certas confusões..mas é intocável. O famoso “passar o pano”. E que evidencia as diferenças entre as classes sociais seja pelo poder econômico ou de raça.

Assim a rua demonstrada por Kleber apresenta o racismo velado, como também o sistema patriarcal, sistema de classes. E que fazemos parte do sistema, leitura muito bem construída por Kleber na cena da cachoeira de sangue.

Uma cena que comporta toda a simbologia do filme: a reunião de condomínio. Na qual evidencia que os “Brasis” são os sistemas construídos para manutenção de uma escada que visa favorecer individualmente a cada necessidade e poder que cada um possa ter, mas o que fica o questionamento é a facilidade que temos em decidir sobre os corpos às margens, que são representados pelo Machismo, LGBTFobia, Racismo, Classes Sociais. Um sistema que visa o fortalecimento de um ego individual de ⅓ da população, em vez elucidarmos a possibilidade de um inconsciente coletivo. 

O enredo cinematográfico trabalhado pro Kleber é pensarmos que ele direciona sua câmera, sua produção e histórias em filmar “O normal em nosso cotidiano” mas ao projetar suas narrativas “O normal” recebe um cuidado para não ser observado como “naturalizado” e sim como “tem algo importante que estamos deixando passar”. Em “O Som ao Redor” fica o paralelo entre os sons ecoados pela cidade e como durante o percurso do filme vai sendo provocado ao espectador as observações e releituras de nossos cotidianos.

A produção me deixa a devanear sobre uma história que apresenta uma sonoridade simbólica carregada de imagens, memórias, histórias de múltiplos “Brasis”.

“O Som ao Redor” está disponível nas plataformas Netflix e Looke. E no dia 18/04 às 02h00 será exibido no Telecine Cult.

Trailer l O Som ao Redor (2012)

 

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