Fleabag (1ª temporada)

(BBC Three/Amazon Prime, 2016-)

Direção: Harry Bradbeer

Roteiro: Phoebe Waller-Bridge

Elenco: Phoebe Waller-Bridge, Sian Clifford, Jenny Rainsford, Hugh Skinner, Bill Paterson, Olivia Colman, Brett Gelman, Ben Aldridge, Jamie Demetriou, Hugh Dennis

Número de Episódios: 6 episódios

Data de Exibição: 21 de Julho a 01 de Setembro de 2016 (Reino Unido)

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O texto contém spoilers.

Fleabag é um termo informal comum no Reino Unido, esta expressão se refere a uma pessoa considerada desagradável. Assim, após os seis episódios da primeira temporada da série, compreendemos essa espécie de autocrítica que a protagonista tenta fazer, personagem que é escrita e interpretada por Phoebe Waller-Bridge. No entanto, considerar algo é bastante diferente do que afirmar com total certeza. Assim, quando se termina a temporada de estreia, se pode delinear diversas conotações a um título que previamente parecia singelo. Só que aquilo que aprendemos ao longo da curta temporada está, felizmente, muito longe de ser singelo, o que é também uma grande infelicidade, visto a ansiedade gerada para uma segunda temporada.

Fleabag (Phoebe Waller-Bridge) é uma jovem londrina que batalha duramente por sua vida. Dona de um café, o negócio ultimamente não anda tão bem para ela, sem contar que seu namorado, Harry (Hugh Skinner), a deixou recentemente e, pior ainda, ela teve de enfrentar também recentemente uma grande tragédia em sua vida. Não bastasse tais problemas, ela ainda precisa lidar com sua família. Por conta do câncer de mama, sua mãe teve uma morte precoce; seu pai não sabe muito bem como lidar com ela e com sua controladora e muito bem-sucedida irmã, que tem um casamento bem duvidoso; contudo, nada parece capaz de superar sua madrasta.

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Não bastasse o ácido humor britânico, Fleabag conta com outra carta na manga para potencializar essa sua capacidade de tornar qualquer situação hilária. Afinal, o que inicialmente parecia o grande diferencial da série era, na realidade, a quebra da quarta parede que a personagem principal constantemente realiza. É um diferencial na comédia, mas o que se destaca, ainda mais do que a quebra da quarta parede e que também se percebe quando isso acontece, é a qualidade do roteiro da série, que consiste em seis episódios todos escritos por Phoebe Waller-Bridge.

Entretanto, o roteiro passa a funcionar ainda melhor quando Harry Bradbeer, diretor em todos os episódios, encontra maneiras sensacionais de capturar o que foi escrito. Parece haver um consenso muito grande entre toda a equipe de produção e o elenco de Fleabag, o que proporciona momentos memoráveis. Há na série uma beleza sutil em sua fotografia, que dá uma profundidade imensurável ao que vemos. É no conjunto da obra, porém, que percebe-se a química do corpo simbiótico que forma e faz Fleabag. Não à toa um dos maiores trunfos da série é seu timing, mais do que necessário quando se está quebrando a quarta parede.

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Nesses momentos se unem diversos fatores em pleno funcionamento, tornando-os de fato hilários. O timing dos atores, a capacidade de capturar o momento certo da maneira certa, as sagazes observações do texto de Phoebe Waller-Bridge e, lógico, sua própria atuação, porque suas expressões são também um ponto alto em toda a série. Tais expressões são também grandes responsáveis por nos aproximar da personagem, até por conversarem conosco, o público, de maneira muito honesta. Gera-se uma empatia muito grande com a personagem e, por consequência, quando damos conta de onde Fleabag realmente está nos levando, já é tarde demais.

É tarde demais porque nos encontramos muito envolvidos com a personagem, assim, a cada obstáculo lançado no caminho de Fleabag nos vemos tão ou mais afetados quanto ela. Só que a série leva tão a sério seu humor, capaz de tornar um suicídio numa piada, que no imbróglio da situação somos jogados em meio a uma séria crise psicológica. A ponto que passamos a perceber que a personagem tem, na verdade, coisas de mais com as quais lidar, e pessoas de menos para sequer tentar compreender pelo que ela está passando. Como consequência, Fleabag nos coloca no olho de uma tempestade emocional.

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Antes da tragédia, a incompreensão. O que para muitos pode ser uma surpresa, já era algo de se esperar. É incrível a facilidade com a qual se pode, literalmente, odiar a personagem de Olivia Colman (indicada ao Emmy por The Night Manager). A atriz parece personificar um tipo específico de mal, de certa maneira fugindo e, ao mesmo tempo, se adequando ao estereótipo da madrasta má. É justamente esta posição que ela surrupia da vida da família que mais expõe Fleabag às realidades de suas feridas, mas de uma forma que não se mostra nem um pouco agradável, chegando a ser até desesperadora.

Contudo, o momento mais desesperador vem na forma da pior traição que se podia esperar. A Claire de Sian Clifford é outro grande destaque da série, principalmente pela maneira com a qual a irmã da protagonista vai gerando uma crescente empatia com o espectador, conforme ela própria, que parece tão controladora, finalmente toma controle de sua vida. O que não se confirma, da maneira mais cruel possível, não só por como ela é manipulada por seu marido, coisa contra qual a série prega, mas por colocar o dedo na ferida ainda aberta da protagonista, mesmo que ela não tenha percebido que assim estava.

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A transição para os flashbacks aos quais Fleabag nos apresenta é arrebatador, nada do que se passa no presente chega perto do nível emocional que encontramos quando Fleabag e Boo (Jenny Rainsford) estão juntas em cena. O que a princípio parecia algo mais leviano, se torna mais grave quando aprendemos sobre a tentativa de um falso suicídio, que culminou num acidente dado como um suicídio. Só que a construção emocional da amizade das duas personagens, que parece um amor platônico comovente, dá lugar a uma tragédia irremediável, quando conhecemos o todo do que acarreta em tal situação.

Entendemos, também, o porquê de os flashbacks terem de funcionar de tal maneira, o que não é fácil de se fazer. O sucesso de Fleabag é nos proporcionar, ao final da temporada, um sentimento e um estado similar ao de sua protagonista, não por menos somos atingidos com tamanha brutalidade no final da temporada. Não só pela personagem ser reconhecível, mas quase real, e não apenas por quebrar a quarta parede, mas porque não é só para porquinhos da índia que a solidão pode ser aterrorizante. Precisa-se de alguém mais na vida, seja para que algo dê errado, seja para que tudo corra bem. Boo sabia lidar com sua amiga de coração e mente abertas, com honestidade e carinho, assim como Fleabag, a série, sabe muito bem fazer conosco.

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