Maria – Não Esqueça Que Eu Venho dos Trópicos (2017); Direção: Francisco C. Martins, Elisa Gomes; Roteiro: Marta Góes, Idê Lacreta, Francisco C. Martins; Elenco: Lucia Romano, Celso Frateschi; Duração: 81 minutos; Gênero: Documentário; Produção: Elisa Gomes; País: Brasil; Distribuição: Pandora Filmes; Estreia no Brasil: 16 de Novembro de 2017;
Maria Martins pode ser um nome conhecido para muitos, porém, seu trabalho é um do qual até hoje se pode considerar tabu, vistas as reações às exposições artísticas cuja percepção pública recentemente rechaçou em meio a um conservadorismo cego. Algo que persegue os artistas incansavelmente e que, na época em que Maria despontou no meio, ainda se tinha o empecilho, também duradouro, do sexismo, que não aceitava a visão feminina da sexualidade ou mesmo a própria sexualidade feminina. Elementos que perduram, ainda que de maneira mais velada, até o contemporâneo, onde Maria Martins por si só não é um nome que recebe a devida atenção.
Escultora, gravurista, pintora, desenhista e escritora, Maria Martins desbravou o mundo ao lado de seu marido, embaixador brasileiro estacionado por diferentes nações ao longo dos anos. É verdade que viveu na burguesia em grande parte de sua vida devido ao status de seu marido, o que não a impediu de fazer uma leitura adequada das naturalidades que provinham do nacional. Mesmo lá fora, em Washington, nos Estados Unidos, passava seu tempo olhando para dentro, para seu país de origem. Algo que rendeu na sua coleção de trabalhos as mais evocativas representações das figuras nacionais através da abundante natureza e de uma identidade cultural singular que permeia o Brasil.
Talvez aí falhe o documentário, porque enquanto Maria – Não Se Esqueça Que Eu Venho dos Trópicos faz o possível para empregar à figura central um retrato que não é inteiramente burguês, distante da marginalidade que também é característica nacional, o mesmo recaí sobre sua posição. Não há ginga o suficiente que os cineastas possuam para escapar de tal taxação, e inevitavelmente acaba ocorrendo um distanciamento. É um elitismo que acaba por afastar a arte do público em geral, infelizmente, e que se vê refletido aqui neste documentário. Falta aos realizadores decodificar a figura para que se atinja amplamente todos aqueles que devem lembrar do nome da artista.
Maria Martins é alguém que, assim como o que representam suas obras, precisa se alastrar por dentre as mentes e corpos, dos brasileiros e de toda e qualquer pessoa no mundo. Se grandes nomes caíram de amores por ela, como Marcel Duchamp, não foi à toa e, sim por tudo o que seu trabalho tem a capacidade de contemplar. O documentário consegue ao menos nos entregar essa plena noção do marco que é Maria Martins para a sexualidade e a representação disso na arte, que por sua vez reflete no observador um sentimento que é acolhedor, representativo. A voracidade que imprimiam as mãos da artista só é igualada, talvez, por alguém que se agarra à vida com todas suas forças.
Maria – Não Se Esqueça Que Eu Venho dos Trópicos é um trabalho de delicadeza tal que se mostra capaz de resgatar e desconstruir uma figura marco nacional e que, ainda assim, sequer chega a receber o reconhecimento que merece. Um nome que precisa ser difundido e que revolucionou e formou pilares da arte mundial. Uma história que precisa ser ouvida, pois a nacionalidade de Maria Martins faz do Brasil aquilo que sabemos ser capaz, uma potência artística e cultural de riqueza imensurável, que tem um lugar no mais alto nível e com seus próprios méritos.