Sem Amor (Nelyubov); Direção: Andrey Zvyagintsev; Roteiro: Oleg Negin, Andrey Zvyagintsev; Elenco: Maryana Spivak, Aleksey Rozin, Matvey Novikov, Marina Vasilyeva, Andris Keišs; Duração: 128 minutos; Gênero: Drama; Produção: Alexander Rodnyansky, Sergey Melkumov, Gleb Fetisov; País: Rússia, Alemanha, Bélgica, França; Distribuição: Sony Pictures; Estreia no Brasil: 08 de Fevereiro de 2018;
O russo Andrey Zvyagintsev conseguiu ganhar imensa notoriedade com seu filme anterior, “Leviatã” (2014), onde com humor sádico e catártico, faz um retrato analítico de um país encalhado em meio ao seu próprio passado, cultuando um líder completamente controverso, num Estado corrompido e burocrático, onde a sociedade aceita e se identifica com seus representantes, sem mea-culpa. Não por acaso, houve uma imensa expectativa para seu novo filme, “Sem Amor”, sobretudo após uma reação tão positiva no Festival de Cannes desse ano, com gritos para que o diretor, finalmente, ganhasse sua tão merecida Palma. Seja o tom político da premiação esse ano ou ainda mesmo a concorrência de longas assumidamente mais “importantes”, o longa do russo acabou levando o prêmio do júri, espécie de terceiro lugar, ficando atrás de “120 batimentos por minuto” e do ganhador da Palma, “The Square“. Após ver os três, é compreensível que haja uma preterição pelos longas francês e sueco, até por eles serem projetos atuais e que dialogam mais explicitamente com o momento ao qual o mundo vive do que “Sem Amor”. Entretanto, o filme de Zvyagintsev consegue usar de uma temática banal – o divórcio – para construir um argumento engenhoso sobre questões regionais e universais, que é um trabalho de tamanha grandeza, difícil não ficar, no mínimo, impressionado com tanta profundidade, que ao meu ver era extremamente merecedora da Palma e de qualquer outro prêmio ao qual o longa irá se submeter nos próximos meses.
A trama básica é sobre um casal que já não se ama mais, tem muito tempo, mas evita ao máximo formalizar o divórcio por questões sociais e burocráticas. Em uma briga, eles decidem falar sobre o futuro de seu filho, desejando joga-lo num orfanato para que ambos possam reconstruir as respectivas vidas sem qualquer amarra ou lembrança do fracassado casamento. Entretanto, o menino escuta essa conversa e decide, por impulso, fugir, dando início a uma jornada aflitiva em busca de seu paradeiro. É a partir dessa premissa que o inferno toma conta da tela. Zvyaginstev pode ser considerado um sádico ao mesmo nível de Haneke, porém seu sadismo é justificado pelo retrato cru de uma sociedade apática, quase desalmada, que só sai dessa condição quando não há mais opção. É um retrato duro de uma sociedade burocrática em seu cerne que assiste a tragédia da vida de forma inerte, o que causa um efeito de choque ao público, ao perceber quantas pessoas comuns se enquadram naquele padrão.
O grande triunfo do diretor russo é transformar toda essa questão afetiva em uma metáfora nacional, sobre como a “Mãe Rússia” é cruel com seus filhos, é literalmente uma mãe sem amor, que apenas usa seus cidadãos para benefício próprio, não teme em manda-los para guerras desnecessárias, como o atual conflito ucraniano. Ela simplesmente só tira proveito ao máximo de seu povo, que não reage, aceita e faz girar essa roda da indiferença. O argumento é de tamanha grandiosidade e sutileza junto a uma direção precisa, sem grandes maneirismos, elaborando algumas alegorias visuais chocantes, dizendo muito com tão pouco, um trabalho extremamente refinado e pavoroso em sua essência, podendo ser visto como um verdadeiro filme de horror, onde a própria sociedade é reflexo de tamanha barbaridade.
Junto ao trabalho de roteiro e direção, destaca-se a quase estreante Maryana Spivak, que faz a mãe do menino sumido, ela tem uma personagem extremamente difícil e foge da caricatura, dando uma dimensão para uma figura tão maniqueísta. Há cenas onde o trabalho da atriz é gritante e encarna o argumento com maestria, sendo aqui o pilar principal para que “Sem Amor” seja um filme incrivelmente poderoso.
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