Com orgulho que o Cine Eterno cobrirá, pelo terceiro ano consecutivo, o Festival Internacional de Cinema de Curitiba: O Olhar de Cinema.
Em sua quinta edição, o jovem Festival já deixa sua marca voltada ao cinema experimental, na contramão do fluxo, exaltando o cinema novo independente na mesma medida que homenageia o cinema clássico, com a exibição de clássicos remasterizados, além de homenagear um lendário diretor. Num momento tão particular que o Brasil vive, o festival optou por exaltar o antológico diretor Luís Sérgio Person, falecido prematuramente aos 39 anos, deixando um legado de 5 longas-metragens e 2 curtas-metragens, estes feitos ao longo das décadas de 60 e 70, porém que se mostram extremamente atuais. Sobretudo, no momento que o país vive, no qual a democracia brasileira está sendo posta em xeque decorrente da ganância de setores políticos conservadores e golpistas que visam usurpar o poder em prol de benefício de poucos.
Person detém relevância na construção da imagem cinematográfica brasileira, principalmente nos anos de chumbo, no confronto a ditadura militar, usando o cinema como forma de expressão, denuncia e elucidação. Além dele, temos uma seleção composta por filmes com tons sociais que dão nova definição ao festival, que tenta se mostrar atual e relevante, reiterando o papel social, político e cultural do cinema, algo encontrado na essência do Cinema de contestação, tipo no qual o homenageado era uma de suas lideranças.
Aqui, algumas de minhas primeiras impressões do festival que começou no dia 8 e se estende até o dia 16 de junho.
Operação Avalante, Matt Johnson, 2016 (foto):
Escolhido como longa de abertura desta quinta edição do Festival que outrora abriu com um Kubrick. Nada mais apropriado, visto que este longa serve como homenagem ao antológico diretor ao mesmo tempo que serve como fetiche para trabalhar cinema de gênero, sem se arriscar em ousar mais.
É instigante como ele desseca uma lendária teoria da conspiração, nos mostrando a vastidão da temática. Ao meu ver, o maior trunfo do longa é como ele desenvolve e chega a escrachar a conspiração da própria conspiração.
Contudo, em dado momento porém me pareceu que o filme se perde no seu objetivo e se conclui de forma vaga – pra não dizer estéril. A relação dos dois amigos me pareceu estabelecida de forma superficial, havendo algum clamor inicial em dissertar sobre os dois amigos, porém ideia abandonada na segunda metade de duração.
Outro fator negativo é o desenvolvimento do longa em si, passa a impressão que se trata de um longa muito maior do que de fato é, o uso dos supostos antagonistas como mero recurso narrativo sem o menor desenvolvimento também mostra desleixo por parte do roteiro em focar no mero fetichismo conspiratório.
Apesar disso, é um longa original, estilizado e bastante bem humorado, com uma excelente edição e momentos deveras bem construídos. Ainda que abaixo do potencial material, é divertido.
Nota: 3/5
Cassy Jones – O Magnífico Sedutor, Luís Sérgio Person, 1972:
Na década de 70, o gênero predominante no cinema nacional eram as “pornochanchadas”, focadas em confrontar a censura autoritária da ditadura Militar, propondo em seus filmes um estilo de vida extremamente liberal, satirizando os valores “da moral e dos bons costumes” como uma vida careta e monótona. Person adentra no cinema de gênero a fim de atacar a ditadura apresentando o que eles mais desprezam: o triunfo ao sexo e a exaltação da figura feminina.
O mais interessante do longa é que Person tenta quebrar/diminuir a figura masculina título, interpretada com competência por um jovem Paulo José. O diretor tenta mostrar como o clamor de Cassy em ser amado, idolatrado e desejado o enfraquece, sufocando-o e deixando claro que aquela vida precisa de mais, um fuga. No final das contas, a figura masculina não é capaz de se sobressair a feminina.
Nota: 3/5
A Menina que Dançou com o Diabo, João Paulo Miranda Maria, 2016:
Filme inspirado de uma lenda local no interior de São Paulo, soa atual e necessário em tempos onde o conservadorismo religioso se impõe e clama por afirmação e poderio político. O filme consegue ser extremamente objetivo em sua narrativa, contudo bastante subjetivo em seu propósito. Expõe uma menina de família e cotidiano evangélico que anseia sair daquele território opressor, querendo ir em uma festa “mundana” nos moldes conservadores.
O curta metragem é instigante na forma que constrói a narrativa, claramente evidenciando a necessidade daquela menina em se libertar de dogmas primitivos e fora de moda. Sua cena final é digna dos mais calorosos debates. O filme foi injustamente aclamado por muitos brasileiros devido o fato de ter sido feito com poucos recursos, porém excluindo a relevância do debate que propõe. Sobretudo, pelo fato dos setores aos quais critica serem os que tentam usa-lo para diminuir leis de incentivo público, como a Lei Rouanet.
O cineasta João Paulo Miranda soa como um cineasta pertinente nessa nova leva que o cinema brasileiro produz, principalmente pelo fato dele introduzir um filme regionalista com aspectos regionais, contudo com uma temática universal, sendo portanto uma alfinetada ao conservadorismo brasileiro. É extremamente pertinente, além do curta ser bom por si só, não só meramente por sua temática.
Nota: 4/5
OBS: Em breve uma entrevista do diretor do curta ao cine eterno!
Amarcord, Federico Fellini, 1973:
Amarcord aborda o cotidiano de um vilarejo italiano nos anos 30, sob o olhar de um menino, que entre seus desejos e ambições vê a ascensão do fascismo na Itália, a influência da igreja na sociedade e o caos familiar. Fellini usa de suas memórias pessoais para dissertar sobre os equívocos, hipocrisias e construções da sociedade italiana da época.
É singular como a narrativa nos devora, apresentando alegorias hipnotizantes para salientar o quão conivente a sociedade italiana foi com o fascismo de Mussolini. É uma coragem que o diretor tem em não só botar o dedo na ferida como também expô-la sem o menor eufemismo ou indulgência. O mais incrível que ele apresenta a temática num tom vibrante, colorido e satírico, porém sem perder a seriedade necessária para fazer.
Se Amarcord é considerado como o “pretérito” de Fellini na época de seu lançamento, hoje em pleno 2016 podemos dizer que hoje pode ser o retrato do presente de muitas sociedades, inclusive a brasileira. Perante o avanço de uma onda conservadora, com setores da sociedade claramente apoiando por conveniência, é perturbador como cometemos os mesmos erros que outros já fizeram.
Mesmo passado tanto tempo, Fellini vive e ainda dialoga conosco, tendo muito ainda a nos dizer. Essa é uma das magias do cinema. E uma das coisas mais emocionantes, sobretudo ao som da antológica trilha sonora de Nino Rota.
Nota: 5/5