O Contador (The Accountant, 2016); Direção: Gavin O’Connor; Roteiro: Bill Dubuque; Elenco: Ben Affleck, Anna Kendrick, Jon Bernthal, J.K. Simmons, John Lithgow, Jean Smart, Jeffrey Tambor, Cynthia Addai-Robinson, Robert C. Treveiler; Duração: 128 minutos; Gênero: Ação, Drama, Policial, Thriller; Produção: Lynette Howell Taylor, Mark Williams; Distribuição: Warner Bros. Pictures; País de Origem: EUA; Estreia no Brasil: 20 de Outubro de 2016; Censura: 14 anos;
A filmografia do diretor Gavin O’Connor é marcada mais por grandes ambições que grandes filmes, em resultados que poucas vezes agradam no todo. Mas há certa aura presente em seus trabalhos, um requinte que ecoa para além das usuais irregularidades, o que provavelmente garantiu a ele uma certa resistência, mesmo que não de maneira grandiloquente, em Hollywood.
É fácil afirmar, portanto, que seu melhor trabalho é Guerreiro (Warrior), que mesmo lançado já há meia década atrás, se faz uma forte presença, não somente sob o diretor, como a este próprio filme, que ambiciona construir algo de um patamar semelhante.
O resultado em O Contador (The Accountant), entretanto, é da mesma inconstância que marca os filmes do diretor, que o fadaram, por exemplo, a herdar, de maneira contestável e controversa, o apagado, irregular e infeliz Em Busca da Justiça (Jane Got a Gun), filme protagonizado por Natalie Portman.
Sem controvérsias e sem confusões, o novo filme do diretor é protagonizado por Ben Affleck, aqui interpretando um contador que leva uma vida dupla. Diagnosticado com autismo, sua infância foi uma provação imposta por seu pai, na intenção de preparar seu filho para uma vida normal. Tal pensamento, no entanto, parece não somente refletir-se dentro da trama, mas iludir a própria.
E a ilusão é algo contundente quando se pensa O Contador. Porque a impressão causada, a princípio, é que estamos diante de um filme inteligente. Contudo, a bem da verdade que a produção fica longe de tais méritos. Não só por não saber lidar com o autismo, mas porque ao não saber lidar com tal elemento revela sua maior falha.
Para seu roteiro funcionar com plenitude, teria de se desenvolver de maneira indubitavelmente genial. Muitas das reviravoltas contradizem o olhar de inteligência que o filme lança sobre o público, se tornando uma manobra fácil sobressair-se a cada passo que o filme tomará rumando em frente na sua narrativa.
Sem conseguir reservar suas surpresas, O Contador se vê com um sério problema quando precisa omitir o desenvolvimento de um e outro personagem, justamente para exibir vantagem sobre o público. Entretanto, a subtração de informações que acontece só influencia negativamente no resultado final, onde uma revelação catártica falha ao não conseguir surtir efeito tal qual devia.
O Contador fica, portanto, numa esfera do que podia ser, mas não é. Grande infortúnio quando encaramos o seleto elenco do filme, que se vê desperdiçado em uma obra que não exige tanto dos talentos envolvidos, salvo raras exceções. Sendo que, em tais exceções, são os momentos que Gavin O’Connor corresponde ao que seu cinema aspira e ambiciona.
A rendição de um J.K. Simmons em meio a uma cena de crime é rigorosamente bem conduzida, num trabalho de fotografia que até se diferencia do restante do filme justamente para destacar a situação, resultando numa escolha excepcional do diretor para capturar o momento, indo de encontro com um dos principais motes de O Contador e da carreira de Gavin O’Connor.
O trabalho de um código moral, partindo da funcionalidade do personagem de Ben Affleck, se faz presente no filme, todavia, é tão superficial que não surpreende se tornar uma falha grotesca. A falha em questão é numa transição de personagens, quando a agente Marybeth Medina de Cynthia Addai-Robinson toma o lugar que era de J.K. Simmons, encontrando num discurso os mesmos questionamentos que desencadeiam uma declaração genérica.
O erro aqui, entretanto, é como O Contador não consegue pescar sua própria referência como devia. Tanto que a cena em si é destoante, porque por mais que a atriz tente, não há uma maneira de convergir o diálogo do roteiro com a reação desejada por Gavin O’Connor, criando um entrave catastrófico no próprio andamento da cena.
A falta de sensibilidade em O Contador, por parte dos realizadores, é o que impede muito desse funcionamento no filme. Um desconcertante discurso se perde em meio a um roteiro que desperdiça boas oportunidades, tanto narrativas como emocionais, onde a indiferença de sentimentos preterida ao personagem de Ben Affleck parece se alastrar ao restante do filme.
A tentativa de humanizar um personagem que só atende por pseudônimos não vem só numa atuação não convincente de Ben Affleck, mas em relações que vão contra a própria ideia do filme ou em atores desperdiçados por essa mesma falta de sensibilidade, tendo como principal exemplo o personagem de Jefrrey Tambor (Transparent), quase que numa participação especial e cuja filme não permite render uma presença tal qual se estabelece na figura de seu personagem.
Com isso, O Contador se revela um filme opaco pelos motivos errados, cuja intenções de criar algo mítico se contentam a algumas bem conduzidas cenas de ação, em contrapartida quase que se recusando a entender seu próprio protagonista e toda a complexidade que com ele se poderia explorar. Culpa de um desenvolvimento falho, que torna indigno até dizer que compreende os nomes históricos que cultua e o Pollock com o qual tanto se deslumbra.
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