Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa (Birds of Prey And the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn, 2020); Direção: Cathy Yan; Roteiro: Christina Hodson; Elenco: Margot Robbie, Mary Elizabeth Winstead, Jurnee Smollett-Bell, Rosie Perez, Ewan McGregor, Chris Messina, Ella Jay Basco, Ali Wong; Duração: 109 minutos; Gênero: Ação, Aventura, Comédia; Produção: Margot Robbie, Bryan Unkeless, Sue Kroll; País: Estados Unidos; Distribuição: Warner Bros. Pictures; Estreia no Brasil: 06 de Fevereiro de 2020;
A Harley Quinn de Margot Robbie foi uma das poucas unanimidades positivas desde a empreitada da Warner com a DC nos cinemas iniciada em “Batman vs Superman”, em 2016. E lá se vão quatro anos desde que vimos a atriz dar vida a personagem em “Esquadrão Suicida” e, de lá para cá, Robbie viu sua carreira ascender de maneira brilhante, contando inclusive com 2 indicações ao Oscar nos últimos 3 anos. O talento da atriz se mostra mais que suficiente, no entanto, quando é capaz de sustentar “Aves de Rapina – Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa” no seu momento mais crítico.
Com um primeiro ato introdutório um tanto arrastado, é o protagonismo de Margot Robbie, numa atuação inspirada, quem segura o filme. Enquanto não encontra seu tom por completo, e se escora na verborragia da narração em off, são o carisma e as mais variadas expressões da atriz que enchem a tela com a energia que dá vida ao filme. Tanto na quebra da quarta parede como na construção da própria narrativa -guiada principalmente pela personagem e suas atitudes raramente calculadas-, é sua atuação quem se sobressai e que se faz responsável pelo filme de Cathy Yan encontrar seu ponto de equilíbrio.
O que não quer dizer que ali o todo seja ruim, longe disso, e em nenhum momento chegamos a tal ponto. A verdade é que, vencida a introdução e o que coloca a trama, finalmente, em andamento, “Aves de Rapina” só se faz cada vez melhor, principalmente porque passa a se tornar o filme que deseja ser. É menos o experimento de uma história que tenta se encontrar, buscando em cortes rápidos uma maneira de ir e voltar no tempo para apresentar todas suas personagens, e mais a exaltação daquilo que prometeu entregar e realmente cumpre: o protagonismo feminino.
Aliás, arrisco dizer que das tentativas de gerar esse protagonista com super-heroínas, esta é a mais bem-sucedida em questão de realização. Contudo, antes é preciso notar como “Aves de Rapina” é o filme do gênero, que dominou o cinema na última década, com as melhores cenas de ação até então. Podemos não ter aqui a grandiloquência que destrói cidades e planetas, como se torna cada vez mais necessário como uma demonstração de força de heróis e vilões que precisam se antagonizar de maneiras tão espalhafatosas. É a simplicidade, de certa forma, que resolve e torna este filme naquilo que de fato é.
E o roteiro de Christina Hodson (“Bumblebee”) é plenamente consciente disso e assim vai inserindo elementos que tornam essas lutas, mais urbanas, detentoras de um peso maior. Há uma união muito orgânica de uma execução feita com maestria, com uma coreografia, que não tem nada de simples, afinada e captada de maneira completamente honesta, que empolgam e se fazem sentir verossímeis dentro do possível, bem como francamente divertidas quando não é possível. Mas há também a luta pela liberação dessas garras masculinas que subjugam todas as personagens que se encontram, em determinado momento, numa posição onde precisam se unir para sobreviver, sendo que cada uma ali passou tanto por um trauma pessoal como cotidiano, compartilhado mutuamente por elas, apenas por serem mulheres.
E o que torna esse protagonismo feminino tão funcional não é o consentimento de um homem, mas o reconhecimento das próprias personagens umas às outras e quão capazes elas são. É algo que vai acontecendo gradativamente, mas o caminho, e como aos poucos elas vão se dando conta disso, é o que torna “Aves de Rapina” ainda mais especial. É puro deleite, ainda que envolto em muita violência, afinal, as lutas apelam a pegada mais gráfica possível. Pesam pouco, porém, frente a outros tipos de violência as quais essas mulheres são submetidas, mas cuja vingança traz, neste caso, a catarse que esperamos.