Não tenho a menor dúvida que o responsável hoje por grande parte das decepções vindouras por parte do público aos filmes mais esperados do ano decai sobre seu marketing. Ou melhor, sobre seu falso marketing, que visa vender uma ideia referente ao filme totalmente contrária ao que se passa na tela. Infelizmente, Esquadrão Suicida, um dos longas-metragens mais aguardados do ano, a reunião de vilões num time, é mais um retrato de como Hollywood fabrica produtos sem se ater ao seu conteúdo, visando lucro meramente. Basta assistir os trailers e materiais de divulgação iniciais para perceber como o projeto apresentava uma proposta instigante, parecia ser um dos filmes mais obscuros do gênero, com nuances pesadas, humor negro e bastante acidez. Contudo, parece que não foi o que o estúdio quis vender, pois há uma edição maciça, que fez o longa se tornar vários: um contido nos trailers, com um ar de thriller com anti-heróis e outro contido, politicamente correto e engraçadinho. O resulto final é uma decepção tremenda, sendo assim um filme extremamente mal aproveitado, beirando a banalidade.

Entre as várias questões equivocadas do longa, me parece ser a principal a falta de construção para com os personagens. Praticamente todos eles são simplesmente “jogados” na tela no início de sua execução, em um extenso pré-credito de abertura, demorando pelo menos 30 minutos até o filme “começar” de fato. O roteiro é de uma pobreza tremenda, os diálogos chegam a ser constrangedores, a motivação que obriga os membros do esquadrão a agirem é pra lá de contraditória e ordinária. Me parece claro como a argumentação se fixou a ideia de exaltar os vilões como figuras pops, com direito a sonoridade especial e tudo, porém não se preocupou em desenvolve-los, dando a eles personalidades próprias e não meramente superficiais. Um exemplo claro disso é do personagem de Will Smith, “O Pistoleiro”, que é um assassino de aluguel implacável com o objetivo de proporcionar melhor vida para sua filha pequena. Se tal “humanização” do vilão não fosse desenvolvida de forma tão fútil, talvez daria nuance eficaz ao personagem.

O enredo é simplório, para não dizer pobre: após a morte do Superman, Amanda Waller (Viola Davis) decide criar seu próprio time de meta-humanos contendo os mais letais criminosos do mundo, eles serviriam a ela e ao governo em prol de benefícios próprios. Caso algo causasse errado, a culpa também decairia neles. Então eis que se forma o Esquadrão Suicida, tendo que agir após eventos sobrenaturais acontecerem na cidade. Enfim, a motivação da personagem Amanda me parece clara, ela parece querer ter poder para enfrentar qualquer ameaça, não sendo necessariamente uma fervorosa patriota. Contudo, não me parece haver uma questão para que tal grupo seja efetivado, se parar para pensar na estória, é notório como ela é incoerente e inconsistente. Como a Warner visa agrupar o universo, onde estavam os demais meta-humanos quando os eventos aconteceram? O Batman e a Mulher-Maravilha estavam ocupados? Há tantas pontas soltas, quando buscamos tentar responde-las acabamos por encontrar ainda mais.

Sobre a direção de David Ayer, está presente aquele tom de violência urbana presente em seus outros filmes, ele tenta aqui por construir um thriller urbano, capenga por ter em mãos um roteiro péssimo. Acaba por desempenhar um trabalho burocrático, com clichês típicos ao gênero e pouco inventivo. Particularmente, sua escolha como diretor foi o que mais me instigou a assistir ao filme, me senti frustrado ao perceber como ele permitiu que o estúdio dilacerasse sua personalidade como realizador. Evidente como a edição do longa destoa completamente da direção de Ayer, a ideia que passa é que o estúdio tentou fazer um mix de Guardiões da Galáxia (2014) e Deadpool (2016), contudo não adquire nenhuma qualidade dos dois filmes. O uso da trilha sonora pop e sonora é feita de forma estilizada, em modo videoclipe de qualidade duvidosa. Todos os trailers servem como um videoclipe mais eficiente e um retrato mais sóbrio de um filme que ficou só na promessa.

Outra questão do argumento pífio incômoda é a glamourização da relação Arlequina (Margot Robbie) e Coringa (Jared Leto), a própria atriz já admitiu recentemente o tom abusivo do relacionamento dos dois, no entanto ela é exaltada e bastante romantizada, o que me pareceu de mal gosto, sobretudo diante do momento que vivemos, incentivando as mulheres a denunciarem abusos de relações. Alguns podem achar que estou problematizando, contudo devo lembrar a relevância social que filmes blockbusters tem em passar mensagens para as massas, mesmo sutilmente.

O marketing pesado na figura do Coringa é justificável por ser a reaparição do personagem após quase 10 anos. Entretanto, a concepção do vilão me parece idêntica feita pelo Heath Ledger, inclusive Jared Leto tenta imitar vários trejeitos da interpretação dele. É uma performance sem personalidade, justo de um personagem vasto de personalidade. É a caricatura do Coringa do Ledger, com toques de máfia, acaba por ser a pior encarnação já feita, talvez até a do Cesar Romero seja a altura do personagem. O Will Smith não está ruim, ele tenta ao máximo mostrar sua dramaticidade, porém não há pano do roteiro para ele brilhar. Margot Robbie é uma figura extremamente carismática e encantadora, ela passa isso pra sua Arlequina, mas suas tiradas incessantes cansam e não pegam, ela como suporte cômico destoa totalmente dos momentos do filme. Cara Delenvigne deveria, sinceramente, deixar de atuar, pois sua frigidez como atriz é insuperável. Viola Davis é o melhor do elenco, ela é totalmente incrível, avassaladora, ela consegue dar personalidade a sua personagem de forma a criarmos vínculo com ela, mesmo sendo uma figura totalmente vilanesca. A Amanda Waller de Viola Davis é hipnotizante, forte, brutal. Deixa vontade de vermos mais sobre ela, talvez a única coisa no filme que saia do mérito do esquecível.

O mais lamentável disso tudo é o potencial do material do filme, era bastante fecundo, poderia ter rendido realmente um longa memorável. Perde o cinema que, mais uma vez, fica refém da teoria mercantilista de vender “o que o público quer”. Não entendo como um estúdio com mínimo de inteligência diminui a capacidade intelectual do público de tal forma, faz um marketing pautado na desonestidade, na construção de um falso produto. A impressão final após muito se pensar sobre Esquadrão Suicida é que a embalagem está lá, igual ao da propaganda, mas o conteúdo é totalmente diferente. Errôneo, enganoso, frustrante.

TRAILER LEGENDADO

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