Silicon Valley (3ª Temporada)
(HBO, 2014-presente)
Direção: Mike Judge, Charlie McDowell, Eric Appel, Jamie Babbit, Alec Berg
Roteiro: Dan O’Keefe, Ron Weiner, Adam Countee, Donick Cary, Megan Amram, Carson Mell, John Levenstein, Carrie Kemper, Clay Tarver, Alec Berg
Elenco: Thomas Middleditch, T.J. Miller, Josh Brener, Martin Starr, Kumail Nanjiani, Amanda Crew, Zach Woods, Matt Ross, Jimmy O. Yang, Suzanne Cryer, Stephen Tobolowsky, Aly Mawji, Brian Tichnell, Bernard White, Dustyn Gulledge, Alexander Michael Helisek, Ben Feldman, Annie Sertich
Número de Episódios: 10 episódios
Período de Exibição: 24 de Abril a 26 de Junho de 2016
O texto contém spoilers.
Silicon Valley se consagra proficuamente como uma comédia cringe worthy, termo que, sem uma tradução literal e correta, serve para definir aquele tipo de comédia na qual nos sentimos constrangidos e embaraçados pelos personagens. São muitas comédias, atualmente, que funcionam como tal, Parks and Recreation é um ótimo exemplo disso. Contudo, poucas conseguem subverter expectativas de maneira tão fria como os roteiristas da comédia da HBO. Chega a ser de uma vil crueldade, principalmente no final da temporada, onde há o ápice dessa subversão de expectativas, toda embasada em um dos momentos mais incômodos da série e, o melhor, sendo inteligente.
Iniciando no exato momento do final da segunda temporada, neste terceiro ano de Silicon Valley, ao menos em sua primeira metade, acompanhamos Richard Hendricks (Thomas Middleditch) tentando reassumir o posto de CEO da Pied Piper. O que a série faz é nos conduzir por uma tramitação relacionada aos títulos rendidos às funções nas companhias, demonstrando o quanto a precipitação e a incompreensão daquilo que se tem em mãos molda um mercado consumidor de maneira equivocada. A partir dessas decisões se segue na contramão daquela que Richard revela ser a real intenção da Pied Piper: fazer do mundo um lugar melhor.
Piada muito funcional durante a primeira temporada, que não é recontada em todas as palavras aqui, nesta terceira temporada, mas fica subentendida. Acredito que uma das maiores virtudes é essa sutileza a partir da qual surge essa percepção. Uma discussão entre Richard e Jack Barker (Stephen Tobolowsky) com cavalos reproduzindo sexualmente ao fundo, ganha um teor exageradamente constrangedor, não à toa e servindo perfeitamente a um propósito digno, exemplificando o quanto boas intenções são importantes frente às intenções comerciais. Essa discussão é, aliás, a essência de Silicon Valley, que tirando a parte dos cavalos, mostra como uma pequena parte do mundo redefine todo o restante.
O que é evidenciado na apresentação do aplicativo da Pied Piper ao público. A ignorância frente ao produto não somente é pelos aspectos de arquitetura digital, mas pela própria maneira como a indústria mastiga tudo antes de entregar ao público. A simplicidade, muitas vezes, dá lugar à didática enfadonha. O que revela, também, o papel do consumidor, que consume sem sequer preocupar-se em questionar o que é aquilo, como funciona e afins. Quanto menos precisar saber, melhor. O que parece ser, também, um dos motivos pelos quais o pouco, o Silicon Valley, toma decisões pelo todo.
O que funciona como uma gag à parte de Silicon Valley, que nas entranhas do lugar, faz parecer como se fosse um outro mundo, quase que completamente diferente deste no qual vivemos. O que justifica, por exemplo, a ingenuidade de Richard em relação a um projeto que agrade mais a um profissional de TI, do que um usuário regular, que por mais que tenha que se interessar por aquilo que utiliza, não é obrigado a conhecer o todo. É uma contradição que esboça até um paradoxo, mas funciona, em parte. Poderia funcionar muito melhor, é verdade. Contudo, o mundo está apenas em processo de se tornar um lugar melhor.
O que esbarra, também, na vaidade e ego de certos seres. Como na Laurie Bream de Suzanne Cryer, que decora a casa com obras de arte contestáveis. Porém, esses dois quesitos se fazem ainda mais fortes, obviamente, no Erlich Bachman de T.J. Miller (Deadpool), que inclusive se aproveita descaradamente da ingenuidade de Big Head (Josh Brener). Ainda assim, Erlich tem grandes chances de ser o melhor personagem da série, afinal, da terceira temporada não há dúvidas de que foi ele quem roubou a cena. O que é incrível, porque é um balanço muito consciente de um personagem extremamente ambíguo.
Por mais que seja abusivo e constantemente faça escolhas erradas, Erlich jamais se aproxima, por exemplo, da falta de escrúpulos de Gavin Belson (Matt Ross). É quando o roteiro de Silicon Valley demonstra sua enorme qualidade, pois os dois não são assim personagens tão diferentes, no entanto, são abordados de maneira completamente divergente. Se Erlich parece ir aos extremos, Gavin Belson o supera tranquilamente, vide os animais apresentados em reuniões para analogias. O que não foge, por completo, da realidade, algo que só torna a situação ainda mais hilária, a partir dessa diversão com a tênue separação entre realidade e ficção.
O desenvolvimento de Erlich Bachman durante essa terceira temporada de Silicon Valley, entretanto, é tão natural que, ao final, quando tudo parece estar perdido, é extremamente compreensível a saída que Silicon Valley utiliza para subverter as expectativas, já se apropriando de um pessimismo, que não se confirma. A sequência final do último episódio da temporada é, de certa forma, uma sinédoque do que é Silicon Valley. Porque todos os acontecimentos ali resumem três anos de um honesto desenvolvimento e tramas que se resolvem dessa mesma maneira e com qualidade. Com isso Silicon Valley não só constrói um panorama atual da sociedade e seu relacionamento com a tecnologia, mas, por incrível que pareça, conscientiza sobre o mesmo.