Ferrugem (2018); Direção: Aly Muritiba; Roteiro: Aly Muritiba, Jessica Candal; Elenco: Tiffanny Dopke, Giovanni de Lorenzi, Pedro Inoue, Enrique Diaz, Clarissa Kiste, Dudah Azevedo; Duração: 100 minutos; Gênero: Drama; Produção: Antônio Junior; País: Brasil; Distribuição: Olhar Distribuição; Estreia no Brasil: 30 de Agosto de 2018;
Confira, também, a crítica em vídeo de Márcio Picoli!
Em Ferrugem o mais notável é o amadurecimento de Aly Muritiba como diretor, ainda que já tenha certa experiência na função -muito como resultado da frutífera parceria com a produtora curitibana Grafo Audiovisual.
Porém, fica claro que há muito mais segurança por parte do cineasta neste seu segundo longa-metragem de ficção. É menos uma ideia de realizar um cinema mais autoral e uma constante busca por uma identidade forte, como é o caso de “Para Minha Amada Morta”.
Aqui o realizador tem pleno controle dessa identidade e a imprime perfeitamente durante o longa, que é uma exímia produção pensada nos mínimos detalhes.
Seus efeitos são imediatos e, se captados de maneira eficiente pelo público, possivelmente irremediáveis. Nesse caso, entretanto, muito provavelmente para o bem.
Principalmente para uma parcela do público mais velho, que já tenha filhos englobados nos diferentes períodos da adolescência.
Porque, obviamente, discute sobre a influência da Era Digital em suas vidas e em como pais, familiares e círculos sociais lidam com esses desdobramentos, algo cada vez mais recorrente em produções audiovisuais atualmente.
Talvez até por isso mesmo o filme de Muritiba perca força no desenvolvimento –ou a falta disto- em relação a sua temática. Parece, no fim das contas, mais um filme-relato.
Dividido em duas partes, a proposta é fazer uma reflexão entre os dois protagonistas da história: a garota que tem um vídeo íntimo seu vazado em grupo de contatos na escola; um dos suspeitos de ser o responsável pelo compartilhamento.
Essa divisão, entretanto, não apenas serve para desenvolver ambos os personagens, mas justamente colocar frente a frente diferentes posturas de figuras paternas, de certa forma até didaticamente.
Os pais da primeira são ausentes, mas há, de certa maneira, um medo psicológico instaurado, muito pela incomunicabilidade que se faz presente, então a garota teme que seus pais descubram sobre o ocorrido.
Do outro lado há a presença constante, e uma pressão pela comunicação que, no entanto, parece bastante unilateral, afinal o pai parece não dever satisfações ao filho.
Assim, Ferrugem lança um olhar sobre essas diferentes figuras de influência direta e que moldam novas gerações, ainda que o foco principal no filme sejam os adolescentes.
Porém, percebe-se o apreço de Muritiba por essas figuras paternas em um longuíssimo plano-sequência com os pais do garoto na segunda parte, em um extenso diálogo em que se evidencia, muito em meio a sutilezas, diversas características da relação que rodeava este segundo protagonista.
Estão ali cumplicidade masculina, masculinidade tóxica e o mais puro machismo. Todavia, são elementos mais inerentes à narrativa, são tão minuciosamente implantados que soam como uma obviedade.
Aqui é que Ferrugem tropeça, pois, a intenção de dramatizar certos personagens e dar uma moralidade ambígua não funciona por completo.
Constantemente durante o filme remeti à excepcional segunda temporada de “American Crime”, que contém diversos desdobramentos narrativos extremamente similares aos vistos aqui, e que atingem uma profundidade e complexidade inigualável.
Contudo, em Ferrugem muitos desses elementos soam apenas como uma constatação do óbvio, um grito no vazio que diz ainda menos do que acredita, porque não é capaz de subverter expectativas.
Também não é sua obrigação, entretanto, quando falha em dramatizar esses personagens e impede que paire duvidas, porque é conclusivo demais e deixa, por fim, imperar um certo moralismo, a divisão em partes perde sua funcionalidade.
Por isso digo que é um filme relato, afinal, tem uma postura muito mais passiva em relação ao que retrata, e não pende exatamente para uma denúncia, pois fica no meio do caminho e, até certo ponto, aceita como recorrências alguns desses elementos, não os condena por completo, assim como também não os dissolve em sua narrativa para que se tenha empatia com determinados personagens.
No entanto, Ferrugem é uma obra bastante sólida, muito ciente das situações que pretende criar e que apresenta um domínio completo das sensações que deseja recriar.
Ou seja, desenvolve ao menos o ambiente insólito nos quais estas figuras trafegam, que nada mais é do que o contemporâneo que hoje habitamos.
Destaque para como isso também é sustentando pelo aspecto sonoro do filme, um dos melhores trabalhos de desenho e mixagem de som no cinema nacional recente, devidamente laureado no Festival de Cinema de Gramado no último final de semana.
O elenco também não deixa a desejar, mas em pouco influem no envolvimento com o filme, por mais que a atuação de um ou outro nome do elenco possa ser destacada, no todo não são suficientemente independentes, muito menos aquém.
É que, neste seu segundo filme, Aly Muritiba tem extrema noção do que quer e atinge seu ápice como diretor, se o todo não colabora, ao menos sua visão é resistente o suficiente.
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