Além dos aguardados Zama, de Lucrécia Martel e Me Chame pelo Seu Nome, de Luca Guadagnino, o 19º Festival do Rio nos trouxe dos mais variados longas-metragens. Optei por aqueles de caráter mais indie e com algum aspecto ao qual chamasse minha atenção, seja pelos membros do elenco ou por temática. Conto aqui sobre algum dos filmes menos “hypados” assistidos nesses primeiros dias, que de certa forma merecem alguma notinha.
Novitiate (Margaret Betts)
Dirigido pela estreante Margaret Betts, aborda um convento de freiras no meio dos anos 60, durante plena reforma proposta pelo então Papa João Paulo XXVIII intitulado Vaticano II. Tais reformas aboliram, por exemplo, práticas de abuso físico e mental praticado pelas freiras com as postulantes ao ofício, além de rebaixar a condição de freira. A Madre superior do convento (Melissa Leo) tenta agir na contramão dessas reformas, impondo um regime autoritário, de opressão plena, onde a fé das noviças é posta em xeque a cada dia. Conhecemos nesse ambiente Catleen (Margaret Qualley), uma ex-ateia (?) em busca de um sentindo na vida, acredita que ser freira é sua verdadeira vocação e vai enfrentando diariamente os dilemas impostos.
Eu não lembro de ter visto um filme dessa temática com tanto foco nas freiras e muito menos dirigido por uma mulher. É interessante como a diretora tenta demonstrar um certo ranço da própria instituição católica para com suas mulheres, inclusive aquelas que optam por abdicar suas vidas pessoais pela causa da igreja, num machismo institucionalizado e refletido, infelizmente, nos atos das próprias mulheres católicas. Também é interessante abordar a questão da entrega da mulher à Cristo na jornada para ser freira. Ela, literalmente, se casa com Deus e para isso precisa se preparar física, mental e espiritualmente, numa jornada de tamanho sacrifício. Contudo, é uma entrega retratada no longa quase fetichista, onde as mulheres acreditam mesmo que Deus proverá a elas o preenchimento de seus desejos, algo bastante controverso.
O longa também tenta ser erótico numa medida pouco assertiva, não conseguindo encontrar um tom adequado à questão da fé e aos anseios físicos e de desejos de jovens mulheres em fase de transformação libidinal. Enfim, é uma erotização tão boba, parece ser algo realmente original, contudo é na verdade algo bobo, que não se estende para além da casca. Com um bom elenco, com destaque para Melissa Leo e Margaret Qualley (melhor conhece-la aqui do que naquela adaptação triste de Death Note, da Netflix), Novitiate é um filme com certo fôlego, porém não sei ao certo dimensionar se ele atinge aonde quer chegar, na verdade é até bizarro a mea-culpa proposta pelo longa. Enfim, não deixa de ser interessante.
Terra Selvagem (Wind River)
Particularmente, gosto do roteirista Taylor Sheridan, responsável pelos scripts de Sicário e A Qualquer Custo. Sua estréia na direção com “Terra Selvagem” me deixou animado, principalmente por acreditar em sua capacidade em trabalhar com seu roteiro. Contudo, é mais um dos casos onde expectativa é o primeiro passo para uma amarga decepção. Ironicamente, há incalculáveis méritos por parte da direção de Sheridan, o problema no entanto decai justamente em seu roteiro, totalmente perdido onde quer chegar e no que realmente quer dizer.
O longa acompanha um caçador (Jeremy Renner) durante mais um dia de trabalho atrás de predadores. Ele então avista um corpo de uma mulher morta no meio da neve, em meio a uma reserva indígena. A partir daí, junta-se a agente do FBI Jane (Elizabeth Olsen), em comum operação com as autoridades locais; eles tentam desvendar o assassinato numa comunidade que se encontra corrompida pelas drogas, violência e plena desilusão ao “american dream”.
Só pela premissa percebe-se não haver nada de novo, é um roteiro bem previsível que tenta fazer uma escalada no brutal, na violência, mas não choca. Pelo contrário, o maior desconforto passado é mais pelo tédio sentido do que real empatia. O mistério é fraco e previsível, a direção de Sheridan consegue alcançar limites acima de seu próprio roteiro, ironicamente, que inclusive é bastante controverso, por propor uma falsa exaltação feminina, mostrando total submissão de suas personagens, sempre salvas por homens. E com direito à “crítica social foda” apelando pelo reconhecimento da causa indígena norte-americana, parte dos excluídos do “sonho americano”.
Enfim, foi um filme bem frustante, sobretudo por ter deixado coisas que poderiam ter sido mais engrandecedoras do que este. Minha esperança decai no potencial de Sheridan como diretor, torcendo para ele conseguir sair de sua zona de conforto como roteirista e atingir um degrau ao qual ele acha estar já, porém ainda está longe de chegar.
Prevenge (Alice Lowe)
Pode não ser aquele filme totalmente sensacional, mas é um entretenimento extremamente válido. O longa narra a trajetória de uma gestante de sete meses, viúva, que começa a escutar a voz de seu filho pedindo para ela iniciar uma série de assassinatos, iniciando assim uma jornada violenta. É um primor na concepção e desenvolvimento, é tão divertido e ainda serve de um grito de emponderamento para todas as mulheres. A diretora Alice Lowe, também atua e ainda ataca como roteirista, ela desempenha todas as funções com coragem ímpar, estando ciente das suas capacitações e limitações.
Pode não ser um filme para ser levado muito a sério, porém é um filme divertidíssimo e com bastante potencial no discurso.
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