Se você ainda não havia ouvido falar sobre Toni Erdmann, com certeza isso mudou após o anúncio recente do remake que será feito nos Estados Unidos, tendo Kristen Wiig (Mãe!) e Jack Nicholson como protagonistas, esse segundo ainda usará o filme para retomar sua carreira de ator, após sete anos afastado. Apesar de ser feliz o retorno de Nicholson frente às câmeras, particularmente fico triste que isso dinamize as chances do longa de Maren Ade ganhe o Oscar de filme estrangeiro e ainda diminua a sua visibilidade frente ao grande público. Uma pena, pois trata-se de um dos filmes mais originais e grandiosos dos últimos tempos, uma comédia aparentemente banal, porém que desnuda as convenções sociais e expõe as relações como elas são, causando um total desconforto ao público ao enxergar que, sem essas mesmas convenções tidas como hipócritas, as relações tornam-se insuportáveis. Triste constatação, dada com um humor singular. Aliás, singular é um sinônimo dado ao filme, extremamente autoral e incrivelmente humano.
O princípio da narrativa é contar a relação entre um pai recém enlutado (Peter Simonischek), que decide se reaproximar de sua filha Ines (Sandra Hüller) após anos tendo uma relação distanciada. Ela é uma mulher de negócios fria e calculista, não tem tempo para relações interpessoais e tem desejo de conquistar máximo sucesso profissional. Em dado momento, diante da incompatibilidade de gênios entre ele e sua filha, o pai decide criar um alter ego chamado Toni Erdmann, tentando assim uma nova chance com a filha. Esse é Toni Erdmann, uma pessoa totalmente sem noção, sem qualquer sensibilidade, ligação as convenções sociais ou senso moral. Ele inventa, faz piadas totalmente constrangedoras, se infiltra nos lugares, tudo para ficar próximo de Ines, que não suporta mais tamanho devaneio de Erdmann.
Inicialmente, parece ser uma história de redenção de um pai ausente com sua filha carente, um leve engano, pois o que vemos é um pai desesperado para se conectar à sociedade novamente, ter alguma relevância, enquanto sua filha está fazendo o máximo para ascender economicamente a fim de pisar em tudo e todos, ter a sensação de poder e privilégio, com temor justamente de acabar como seu pai. Diante disso, Erdmann faz de tudo para levar Ines ao fundo do poço, ainda que involuntariamente, seus atos refletem o desejo máximo de quebrar a dignidade e orgulho tão elevado daquela sua esnobe filha, para sentir um pouco o que é ser ele. Ou seja, é um pai que quer ser aceito pela filha, mas para isso precisa faze-la sentir como ele é de fato, ao mesmo tempo que essa filha deseja ser o oposto disso, ainda repudiando sua figura paterna.
Uma das cenas mais marcantes do longa é quando Ines canta “Greatest Love of All”, onde finalmente ela aceita sua odisseia autodepreciativa, apresentando um dos mais icônicos momentos do cinema dessa década. Em um de seus atos, percebemos ela, literalmente, desnuda, finalmente livre das amarras sociais que a sufocavam, ela como é de fato, uma mulher com desejos, vontades, ambições e humanidades. E seu pai finalmente percebe que seu trabalho está completo, ainda que possa não haver uma redenção definitiva, temos um acordo entre duas partes que desejam coexistir harmonicamente, pois cada uma entende o que a outra passa.
Uma bela metáfora sobre a Europa que decide hoje se reencontrar consigo mesma, se redimir com seus males, ainda que precise passar por cima de seu orgulho e suas ambições que culminaram nas duas grandes guerras mundiais, por exemplo. Toni Erdmann é um filme extremamente político, vastamente humano e bizarramente engraçado. Maren Ade desempenha com maestria um dos roteiros mais incisivos e originais dos últimos anos, contando ainda com uma dupla de protagonistas, formada por Sandra e Peter, que desempenham com grandeza suas personagens. Papéis que tinham tudo para soar caricatos e banais, acabam tornando dois retratos potentes da sociedade. Proporcionando assim uma das experiências mais deliciosas que o cinema pode proporcionar. É simplesmente imensurável. Ainda que não seja para todos, seja pelo humor de péssimo gosto ou pela duração excessiva de quase 3h, vale a pena pelo menos dar uma chance para essa deliciosa pérola.
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