Há na imaginação popular uma idealização com a monarquia, é comum consumirmos com curiosidade produtos sobre reinados – as princesas da Disney que diga. No entanto, são poucos as possibilidades de vermos o outro lado, o real, sobre a monarquia. Preenchendo esse vácuo, temos a série da Netflix, The Crown, em seu segundo ano, muito mais liberto da tarefa de apresentar-se ao público a fim de conquista-lo, podendo realmente mostrar a que veio.
A série é a mais cara do serviço de Streaming e não por acaso uma das mais refinadas em direção de arte, figurino, trilha sonora. Não é mero gasto: Cada detalhe em The Crown consegue elevar a experiência de forma mais encantadora. Isso no valor artístico, sem entrar no mérito narrativo e da argumentação, mais afiados do que nunca. Se a primeira temporada entregou momentos de grandeza decorrente a dramas majoritariamente retino em seus coadjuvantes, mais humanos e, em tese, de fácil identificação – Um Churchill lidando com sua senilidade, por exemplo – a segunda temporada focou desconstruir todo o glamour envolto na soberana e seus principais pares, gerando muito mais envolvimento e empatia por parte do público, ao qual finalmente se depara com o que é (e não quem) a instituição ao qual tanto consagra.
O gatilho dessa temporada é a crise matrimonial entre a Rainha Elizabeth II (Claire Foy) e o seu marido Duque de Edimburgo Filipe (Matt Smith), casados já há mais de dez anos, vivem conflitos de hierarquia: O Duque se considera rebaixado ao lado da esposa e desconta isso com infidelidades e abusos, como marido e pai severo na criação do seu primeiro filho, Príncipe Charles, acima na hierarquicamente que o pai, mesmo sendo uma mera criança. Como Rainha, chefe de Estado e da Igreja Anglicana, as aparências são fundamentais para estabilidade do país. A ironia é que uma igreja fundada pela conveniência do Rei poder se divorciar, não aprovar o divorcio, forçando a sua representante maior a se ver refém de um casamento cada vez mais sufocante e de superficialidade.
Além do foco na fragilidade da Rainha, o show de Peter Morgan procurou dar dimensão para outros conflitos dentro da dinastia: A Princesa Margaret (Vanessa Kirby), amargada por nunca atingir o status de rainha, tenta encontrar para si seu próprio destino rejeitando aquele mundo que a rejeita, porém é afogada, novamente, em meio as convenções sociais; O Rei renegado David, Duke de Windsor (Alex Jennings) que tenta retornar sua vida pública porém é confrontado com seu passado e, consequentemente, o obscuro passado nazista de seu reinado; A impotência da Rainha Mãe (Victoria Hamilton), cansada de ver o poder da monarquia esvair-se perante as concessões impostas pela sobrevivência do reinado. Ainda há espaço para o polêmico casal Kennedy balançar as estruturas da realeza, mostrando um descompasso entre o velho versus o novo, entre um monarquia pouco inventiva e um casal que representava as lideranças mais joviais dos EUA nos anos 60.
Enfim, foi uma temporada bastante instigante pelo fato de não se preocupar pelo fato principal de reconstituição de fatos, mas sim na construção de uma narrativa linear a fim de mostrar como uma instituição milenar entrou numa derrocada inevitável, abdicando de poder, influência e relevância para meramente sobreviver. O papel simbólico da Monarquia hoje se dá mais pela curiosidade e reverência do povo britânico e mundial do que por seu real clamor institucional.
Num texto sublime, Peter Morgan consegue adentrar em temas polêmicos de forma natural, torna uma inimaginável crise matrimonial entre monarcas a coisa mais banal possível, de forma afiada, porém sem perder a classe e charme comum aos britânicos. Stephen Daldry, cineasta consagrado por As Horas (2002) retorna como diretor e dá luz ao confronto Elizabeth versus Jacqueline Kennedy, nada mais apropriado ao imaginário popular. Porém é de Phillipa Lowthorpe, diretora de seriados britânicos, pouco conhecida (espero que isso mude) que os melhores momentos são gerados, sobretudo por compreender e transportar a questão de poder e impotência presente a cada momento em The Crown, seja numa crise matrimonial ou seja num conflito entre o Gabinete do Primeiro-Ministro Britânico.
O que vem tornando The Crown tão instigante é ver o Poder ali estampado naquelas pessoas e convenções tão banais, nos deixando cada vez mais instigados a procurar mais sobre o assunto. Foi a última temporada da promissora Claire Foy como protagonista, Olivia Colman assume agora, com sementes claras para os próximos anos, fica aqui a expectativa de uma terceira temporada igualmente memorável.
TRAILER LEGENDADO
https://www.youtube.com/watch?v=9XLCbQR_Xk8
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