Djibril Diop Mambéty e Jean Rouch serão os nomes do primeira mostra respectiva dupla do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba que, em sua sétima edição, acontecerá de 06 a 14 de Junho.
A mostra Olhar Retrospectivo deste ano apresenta um diálogo entre estes dois influentes realizadores da história do cinema.
Em comemoração ao vigésimo aniversário de seu falecimento, será apresentado um conjunto quase completo de filmes do mestre senegalês Mambéty.
Além destes, haverá um recorte de filmes de Rouch, que contará com oito cópias restauradas em homenagem ao seu centenário.
Antônio Junior, diretor e diretor de programação do Olhar de Cinema, diz:
A escolha dessa dupla nos permite o mergulho em duas facetas de uma mesma história.
Ambas as cinematografias se completam, ao mesmo tempo em que se chocam, propiciando assim uma oportunidade única de reflexão sobre o cinema e o nosso mundo.
A experiência com propostas cinematográficas através de duas visões de mundo, provenientes de locais e visões tão distintas, catalisa ainda mais a força que cada um dos cineastas possui por si mesmo.
É, além de tudo, a proposição de um diálogo de contrastes, e com o distanciamento do tempo ficam evidentes as aproximações entre essas filmografias igualmente sensíveis e humanistas.
Nascido na França em 1917, Jean Rouch faleceu em 2004 em um acidente automobilístico no Níger, país que tomou como seu lar e que visitou pela primeira vez em 1941, enquanto engenheiro de hidrologia supervisionando uma construção.
Rouch ficou fascinado pelos rituais e cerimônias locais que passaria a registrar, criando uma série de filmes no país e em outras colônias e ex-colônias francesas da África Subsariana ao longo de mais de meio século.
Grande parte de seus filmes foram considerados documentários na época do lançamento, como “Os Mestres Loucos” (1955), “Eu, Um Negro” (1958) e muitos outros, embora resultassem de uma elaborada mescla de cenas roteirizadas e reencenações com registros captados em estilo vérité.
Quase todos estes filmes foram o resultado de íntimas parcerias com as pessoas filmadas, como o curandeiro tradicional Damouré Zika, que se tornou personagem frequente do cineasta francês.
Rouch dirigiu mais de 100 trabalhos nesse estilo, os quais denominou “etnoficções”, filmados tanto em paisagens africanas quanto em seu país de origem – país no qual passou a se sentir como um estrangeiro, conforme afirmou em entrevistas.
Djibril Diop Mambéty nasceu no Senegal, em 1945, e faleceu prematuramente de câncer de pulmão na França, em 1998.
Ele foi poeta, artista do teatro, orador e músico, além de diretor de sete filmes marcantes ao longo de 30 anos.
Vários de seus filmes são ficções alegóricas, tragicômicas por natureza, realizados com atores do Senegal em seus locais de origem.
Os protagonistas dos filmes de Mambéty, como em “A Viagem da Hiena” (1973) e “Le Franc” (1994), são cidadãos autônomos que transitam entre visões de utopia e distopia, à medida que lutam contra o sentimento de serem sujeitos do colonialismo.
Eles sonham em deixar seus lares para fazer fortuna na Europa, assim como em levar para casa a riqueza acumulada no estrangeiro.
Os filmes testemunham eles intercalarem os papéis de colonizadores e colonizados sem com isso emitir um julgamento moral; ao contrário, as obras de Mambéty evidenciam personagens livres para escolher ser o que desejarem.
A carreira de Rouch teve início duas décadas antes dos primeiros trabalhos de cineastas da África subsariana.
O filme inaugural de Mambéty, o curta anárquico “Contras’city” (1968), foi realizado oito anos após o governo do Senegal ter declarado independência e dois anos após a estreia de “Garota Negra” (1966) de seu compatriota Ousmane Sembène, frequentemente considerado o primeiro longa-metragem da África subsariana.
Rouch se tornou uma importante referência para Jean-Luc Godard e os demais integrantes da Nouvelle Vague francesa, assim como para cineastas africanos, dentre os quais a senegalesa Safi Faye, estrela do filme de Rouch “Pouco a Pouco” (1969).
Mambéty também é tido como uma potente influência para realizadores africanos, como Souleymane Cissé e Abderrahmane Sissako, e para cineastas contemporâneos de outros continentes, incluindo o estadunidense Billy Woodberry e sua própria sobrinha Mati Diop, diretora e atriz de origem francesa.
Carla Italiano, integrante da programação de longas-metragens do Olhar de Cinema, e co-curadora da retrospectiva junto a Aaron Cutler, diz:
Ao propor um diálogo inédito entre cineastas que compartilharam a mesma época e o mesmo continente, embora de pontos de vista distintos, a mostra revela as diferenças e similaridades estilísticas e temáticas que singularizam estas obras de enorme potência.
A trajetória de Rouch sinaliza um viés pelo campo da Antropologia, registrando os encontros entre realizador e personagens em encenações partilhadas, que lidam com certo grau de improviso e espontaneidade.
Já o cinema de Mambéty mostra a confluência de diversos modos de criação artística, tendo a música e a poesia como fontes de inspiração para a liberdade formal de seus filmes.
Cada qual a seu modo, as duas filmografias apresentam formas inventivas de lidar com as fronteiras entre documentário e ficção, muitas vezes utilizando o humor como poderosa ferramenta criativa na construção de sensíveis reflexões sociais e históricas.
As atividades da retrospectiva incluem uma mesa de debate acerca dos legados das obras de Djibril Diop Mambéty e Jean Rouch, além de debates com convidados após algumas sessões.
Carla continua:
As conversas públicas que completam a programação da retrospectiva têm o potencial de suscitar temas em voga no debate sobre cinema no Brasil, e também, sobre a sociedade brasileira.
Mais notadamente, são questões de representatividade e autoria negra, de reflexões sobre as semelhanças e diferenças entre as realidades dos países africanos exibidos na retrospectiva e a do Brasil hoje, e, também, dos legados de raízes culturais de matriz africana e do passado europeu sobre o nosso país.
Os colaboradores na realização da retrospectiva incluem a empresa norte-americana Icarus Films e Teemour Diop Mambéty, filho de Djibril Diop Mambéty e fundador da empresa MD Crossmedia.
Filmes de Djibril Diop Mambéty confirmados para a retrospectiva:
– Contras’city (1968, 22min, DVD fornecido pelo Institut Français do Brasil);
– A Viagem da Hiena (Touki Bouki, 1973, 89min, DCP restaurado fornecido pela Cineteca di Bologna e pelo World Cinema Project)
– Parlons Grand-Mère (1990, 33min, cópia em HD fornecida por Pierre-Alain Meier e Thelma Film)
– Hienas (Hyènes, 1992, 111min, DCP restaurado fornecido por Pierre-Alain Meier e Thelma Film)
– Le Franc (1994, 44min, cópia digital fornecida por Silvia Voser e Waka Films)
– A Pequena Vendedora de Sol (La Petite Vendeuse de Soleil, 1999, 43min, DCP restaurado fornecido por Silvia Voser e Waka Films)
Filmes dirigidos por Jean Rouch confirmados para a retrospectiva*:
– Os Mestres Loucos (Les Maîtres Fous, 1955, 29min)
– Mammy Water (1956, 19min)
– Eu, Um Negro (Moi, Un Noir, 1958, 74min)
– Crônica de Um Verão (Chronique d’Un Été, co-direção de Edgar Morin, 1961, 90min)
– A Pirâmide Humana (La Pyramide Humaine, 1961, 93min)
– A Punição (La Punition ou Les Fausses Rencontres, 1962, 64min)
– A Caça ao Leão com Arco (La Chasse au Lion à l’arc, 1965, 81min)
– Jaguar (1967, 93min)
– Pouco a Pouco (Petit à Petit, 1969, 96min)
*Todos serão exibidos em DCPs restaurados fornecidos pela produtora francesa Les Films du Jeudi, com a exceção de “Crônica de Um Verão”, que será projetado em Blu-ray cortesia do Institut Français do Brasil.
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