Hebe – A Estrela do Brasil, 2019; Direção: Maurício Farias; Roteiro: Carolina Kotscho Elenco: Andrea Beltrão, Marco Ricca, Danton Mello, Gabriel Braga Nunes, Caio Horowicz, Karine Teles, Claudia Missura, Daniel Boaventura, Danilo Grangheia; Duração: 112 minutos; Gênero: Drama, Biografia; Produção: Clara Ramos; País: Brasil; Distribuição: Warner Bros; Estreia: 26 de Setembro de 2019
Hebe Camargo foi uma das apresentadores mais famosas e queridas do brasil, permanecendo mais de 40 anos na televisão e passando por diversas emissoras. Sempre polêmica, ficou conhecida por ser direta e não ter medo de fazer perguntas ácidas e denunciar aquilo que achava incorreto. Após seu falecimento em 2012, era questão de tempo até termos alguma cinebiografia da “Rainha da Televisão Brasileira” e, por incrível que pareça, o timing de lançamento do filme não poderia ser melhor. Hebe – A Estrela do Brasil é um filme muito mais político do que você imagina e cai como uma luva ao trazer diversos questionamentos os quais achávamos já superados lá em meados da década de 80 em um período pós ditatorial.
A fita – ao contrário da maioria das biografias – não apresenta toda a trajetória da apresentadora. É feito um recorte que abarca a saída dela da TV bandeirantes até chegar ao SBT. Após começar a sentir as pressões da censura em seu programa, Hebe (Andrea Beltrão) enfrenta o governo e seus chefes, falando o que pensa ao vivo. A partir do momento em que a obrigam a gravar seu programa e atrasam seus salários, ela decide sair da Band. Com isso, outros problemas pessoais também surgem como o autoritarismo e ciúmes do marido Lélio (Marco Ricca) e questões da adolescência do filho Marcelo (Caio Horowicz). Quando Silvio Santos (Daniel Boaventura) a oferece um programa “do jeitinho dela”, ela vê uma chance de recomeçar.
O roteiro de Carolina Kotscho (2 Filhos de Francisco) é inteligente ao apresentar diversas facetas da protagonista, desde apresentadora que fala o que quer, a mulher que enfrenta o marido autoritário, mãe compreensiva, defensora da minorias, até mesmo sua hipocrisia frente a alguns políticos. Um dos grandes problemas da maioria das cinebiografias é justamente endeusar seus objetos, aqui, isso não ocorre. Muitas dos problemas dela são abordados, como a campanha que ela fez para Paulo Maluf; sua, por vezes, obsessão com joias… Contudo, o argumento peca por apresentar diversos elementos dramáticos e depois abandoná-los. Um exemplo disso é a cena em que, bêbada, ela coloca um dos seus brincos mais caros dentro de um vaso. No outro dia ela não se lembra mais. Essa questão da bebida é introduzida, cria-se um conflito, mas depois a trama o esquece. Isso também acontece com a insinuação da homosexualidade do filho como possível ponto, porém não há segmento.
Outro ponto que incomoda é a montagem de Fernanda Krumel e Joana Collier. No primeiro ato, está impecável toda forma que se faz para esconder a caracterização de Andrea e focar nos bastidores de uma grande estrela prestes a iniciar mais um programa. No segundo e terceiro, as coisas desandam, pois praticamente só vemos Hebe falando no seu programa, muitas vezes soando como repetitivas as suas falas. Poderiam ter aproveitado para desenvolver um pouco mais os outros pontos em aberto e deixar o programa para momentos mais fortes e icônicos. Por outro lado, a direção de Maurício Farias é correta e dá um tom mais dramático e político ao filme. Suas escolhas artísticas e de plano são de bom gosto e auxiliam na performance de Beltrão, o destaque vai para o uso de takes mais longos e de evitar planos e contra-planos exagerados, algo também comum nas cinebiografias que já fazem uso desses recursos pensando na adaptação para série de TV.
Por fim, Hebe – A Estrela do Brasil é de Andrea Beltrão que está em um dos papeis de sua carreira e em uma das suas melhores performances. O grande trunfo é que ela não imita Hebe. Os traços, os bordões e os gestos clássicos da apresentadora estão ali, mas mesmo assim, a atriz adiciona a sua camada, trazendo um frescor e uma novidade para uma figura tão popular quanto a “Rainha da Televisão”. Ainda que o resto do elenco não esteja tão bem, Andrea consegue manter nosso interesse do início ao fim.
A despeito de alguns percalços e escolhas narrativas equivocadas, o filme se prova como uma escolha acertada, principalmente por dar bastante atenção ao momento político e a resistência (a sua maneira) de Hebe frente à censura e a governos. Tudo isso fica ainda mais curioso quando percebemos que, hoje, 2019, ainda estamos discutindo e falando sobre os mesmos assuntos que ela, lá na década de 70 e 80 já criticava. Pelo simples fato de uma cinebiografia de uma pessoa que, mesmo com sua luta contra homofobia e a transfobia, tinha posições políticas incongruentes com suas pautas, nos faça refletir sobre os tempos sombrios que estamos enfrentando, já merece diversos louros.
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