“A Mulher Rei” (“The Woman King”, 2022); Direção: Gina Prince-Bythewood; Roteiro: Dana Stevens; Elenco: Viola Davis, Thuso Mbedu, Lashana Lynch, Sheila Atim, Jayme Lawson, Adrienne Warren, Jimmy Odukoya, John Boyega; Duração: 135 minutos; Gênero: Ação, Aventura, Histórico; Produção: Cathy Schulman, Viola Davis, Julius Tennon, Maria Bello; País: Estados Unidos; Distribuição: Sony Pictures; Estreia no Brasil: 22 de Setembro de 2022;
Viola Davis pode escolher o projeto que desejar, a essa altura da carreira onde não somente conquistou tudo, mas fez história com suas conquistas, colocando-se onde uma mulher negra até então não era bem-vinda e, muitas vezes, servia apenas de token ou nota de rodapé daqueles que supostamente ditam as regras, como se dando um próprio tapinha nas costas, se auto congratulando por uma falsa sensação de inclusão. Por isso, “A Mulher Rei”, um filme de elenco majoritariamente negro e principalmente feminino, é um feito que Viola Davis realiza com muito orgulho e protagoniza exibindo toda sua força e de seu trabalho. No comando do filme está Gina Prince-Bythewood, que tem uma veia mais dramática na sua carreira como diretora, mas fez sucesso mais recentemente com um filme de ação da Netflix (“The Old Guard”), assim, numa clara tentativa aqui de equilibrar o moderado épico que se apresenta ser o filme. Na história, acompanhamos as Agojie, um exército de mulheres, comandado pela general Nanisca (Davis), que servia ao reino de Daomé, nos idos do século XIX. Livremente inspirado em fatos, o roteiro de Dana Stevens reconta o papel dessas guerreiras num dos períodos de guerra civil entre reinos da África na época.
Não há exatamente uma fidelidade aos fatos, até porque deve ser muito difícil apurar a veracidade de tudo, então há uma dramatização para contextualizar o papel dessas figuras femininas de poder dentro de uma sociedade que, apesar de respeitá-las, ainda as encarava como mulheres sob a ótica misógina conservadora. Há em “A Mulher Rei”, inclusive, vários paralelos que demonstram isso, a forma como o Rei, interpretado por John Boyega, tem várias esposas à sua disposição, ou como aquela sociedade escravizava seu próprio povo, seus próprios irmãos africanos, para os europeus. Controvérsias que não deixam de ser destacadas, porém, que nem sempre são bem trabalhadas pela narrativa. A personagem de Viola Davis se faz vocal contra essa escravização, é verdade, mas falta atenção a outros pontos. Ao mesmo tempo em que enaltece as figuras dessas guerreiras, o filme se mostra bastante superficial ao ser maniqueísta no tratamento de algumas outras personagens femininas, criando assim uma rivalidade que no fim se mostra desnecessária e um antagonismo que parece ir na contramão do que o restante do filme tem a nos dizer. São alguns deslizes que deixam claro que o todo, no fim das contas, podia entregar algo ainda mais efetivo e impactante.
São duas vertentes que se encontram e deixam evidente que podia ser melhor polido. O roteiro de Dana Stevens, além de superficial em muitos pontos, é muito seguro e não em um bom sentido, para além das protagonistas negras, “A Mulher Rei” arrisca pouco, tem uma narrativa bastante quadrada e recorre a resoluções melodramáticas que, apesar de efetivas momentaneamente pelo talento do elenco, no geral soam bastante piegas e não exatamente agregam ao desenvolvimento, pelo contrário. A riqueza das personagens está justamente no fato de seus feitos falarem por si, e uma reviravolta melodramática soa deslocada do restante do filme. Quanto ao trabalho de Gina Prince-Bythewood, seu comando na construção da dramaticidade é muito certeiro, e o elenco rende maravilhas em suas mãos, é um trabalho em sinestesia entre ambos, porém, quando falamos no épico que se quer vender, a ideia traí a execução. As coreografias das lutas são geralmente muito boas, mas o escopo não condiz, ou melhor, não faz jus às suas protagonistas. São sequências muito contidas, que acusam o orçamento muito inferior a outras produções hollywoodianas, e Prince-Bythewood tem dificuldade em contornar isso com criatividade. Fica preso a um padrão que a própria trilha de Terence Blanchard revela ao se mostrar muito genérica em diversos momentos.
O que eleva, de fato, “A Mulher Rei” é seu elenco. Viola Davis dispensa comentários, consegue encontrar um ponto exato para nos comover e fazer-nos celebrar sua personagem. Lashanna Lynch mostra que merece cada vez mais destaque, e demonstra uma força imensa em cena, seja no tom ameaçador de sua personagem, seja em alguns bem-vindos momentos de alívio cômico bem encaixados, onde ela se torna completamente cativante. Já Sheila Atim faz muito com pouco, uma coadjuvante de luxo, de participação não muito grande, mas que em toda oportunidade faz diferença, até porque sua presença de cena se faz valer em cada detalhe, é uma entrega de quem acredita em sua personagem. O principal destaque, no entanto, é Thuso Mbedu e, francamente, não surpreenda que o seja! A estrela de “The Underground Railroad”, minissérie extraordinária de Barry Jenkins, mostra mais uma vez todo seu talento em “A Mulher Rei”, e faz frente a qualquer atriz com quem contracena, inclusive a própria Viola Davis. Segura as pontas e entrega uma performance emocional que se faz o coração do filme, ao lado da protagonista. “A Mulher Rei” tem tanto, mas tanto a oferecer, e é lindo ver essas mulheres negras brilharem. Por mais que seja entre altos e baixos, o saldo final é, sem dúvidas, positivo.
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