Millenium: A Garota na Teia de Aranha (The Girl in the Spider’s Web, 2018); Direção: Fede Álvarez; Roteiro: Steven Knight e Fede Álvarez & Jay Basu; Elenco: Claire Foy, Sverrir Gudnason, LaKeith Stanfield, Sylvia Hoeks, Stephen Merchant, Vicky Krieps; Duração: 117 minutos; Gênero: Drama, Thriller; Produção: Scott Rudin, Amy Pascal, Elizabeth Cantillon, Eli Bush, Søren Stærmose, Ole Sondberg; País: Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Reino Unido, Suécia; Distribuição: Sony Pictures; Estreia no Brasil: 08 de Novembro de 2018;
É difícil não remeter ao filme de David Fincher quando se pensa em “Millenium: A Garota na Teia de Aranha”. Muito pela recepção acalorada quando do lançamento do remake, que trazia consigo a performance memorável de Rooney Mara, e que consequentemente gerou grandes expectativas em relação às possíveis sequências, que inspiravam confiança suficiente para serem superiores às sequências da versão sueca original. Com seus trabalhos inacabados, Fincher sem suas sequências, Stieg Larsson –que faleceu trágica e precocemente- sem novos livros publicados, resta a outros nomes a responsabilidade de tocar a história e dar continuidade; ou explorar uma nova continuidade, no caso do filme.
Não cabe aqui avaliar a obra, o livro que deu continuidade a saga Millenium, escrita por David Lagercrantz, por estarmos falando de outro meio. É inteiramente minha função, porém, avaliar o trabalho do escolhido para adaptar a nova obra. Assim, aqui Fede Álvarez dá seguimento em sua bem-sucedida parceria com a Sony, estúdio com o qual realizou seus dois longas-metragens, o ótimo remake de “A Morte do Demônio” (“The Evil Dead”) e o hit de terror “O Homem nas Trevas” (“Don’t Breathe”). Álvarez é um grande cineasta, isso é inegável, mas longe do nível em que se encontra Fincher.
Dito isso, é importante notar que Álvarez tem um senso estético bastante apurado. Em colaboração com o diretor de fotografia Pedro Luque, cria-se um filme que imageticamente fala por si só, e é o que dita o tom de todo o restante de “Millenium: A Garota na Teia de Aranha”. É através disso que se veem ressignificados os dramas das personagens, potencializados pelas lentes e luzes de Luque, mas construídos e constituídos, secundariamente, pelas mentes e trabalhos de Eve Stewart, designer de produção, e Carlos Rosario, designer de figurino, em conjunto de seus departamentos. Ou seja, é um filme que esteticamente se sobressaí a todo o restante.
E coloco secundariamente, porque o drama das personagens, especialmente o da protagonista e sua antagonista, se veem baseados primariamente em suas intérpretes. Qualquer um que tenha assistido “The Crown” sabe muito bem não ser possível questionar a competência de Claire Foy, que mais recentemente só tornou a comprovar o escopo de sua atuação em “O Primeiro Homem” (“First Man”). Aqui, mais uma vez, ela está muito bem, mas em essência porque suas reações, tanto corporais como faciais, traduzem com excelência o que sua personagem quer expressar. O problema, portanto, surge aí.
Ainda que Fede Álvarez, nos quesitos que comentei acima, e Claire Foy externem com sucesso esse conflito interno das personagens, o roteiro em contrapartida parece querer fazer justamente o contrário, não intencionalmente, mas porque é um desastre. Mikael Blomkvist aqui vira um fantoche ambulante sem peso algum na narrativa, e o trabalho de Sverrir Gudnason o interpretando não ajuda em nada, em momento algum se gera qualquer empatia com o jornalista, que finda avulso fazendo par a uma subutilizada Vicky Krieps (“Trama Fantasma“). Muito porque, enquanto reboot, também não abandona completamente as outras produções, seja a americana ou as suecas.
Contudo, as relações que tenta estabelecer aqui também não funcionam. Qualquer traço mais sombrio de Lisbeth Salander, apesar da boa atuação de Claire Foy, é disperso para torna-la mais palatável ao público geral. É seu contraponto que revela a grande falta de sentido aqui. Como eu havia previsto em minha crítica de “Blade Runner 2049” ano passado, Hollywood mostra não saber fazer uso do talento de Sylvia Hoeks, dando a ela, aqui, um estereótipo bastante preguiçoso e raso, incapaz de gerar a catarse que “Millenium: A Garota na Teia de Aranha” tem a audácia de tentar desenvolver. Poderia até comentar sobre a ameaça global inventada para mover a narrativa, mas ela é tão desimportante que não cabe perder tempo discorrendo sobre, assim como muito do que encontramos na didática e repetitiva história apresentada na produção, cuja um pressionar de botão no computador seria capaz de apagar das páginas, e a vida seguiria em frente sem qualquer arrependimento.