Lucky (2017); Direção: John Carroll Lynch; Roteiro: Logan Sparks, Drago Sumonja; Elenco: Harry Dean Stanton, David Lynch, Ron Livingston, Ed Begley Jr., Tom Skerritt, Beth Grant, Barry Shabaka Henley, Hugo Armstrong, Bertila Damas; Duração: 88 minutos; Gênero: Comédia, Drama; Produção: Ira Steven Behr, Danielle Renfrew Behrens, Greg Gilreath, Adam Hendricks, Richard Kahan, John H. Lang, Logan Sparks, Drago Sumonja; País: Estados Unidos; Distribuição: Imovision; Estreia no Brasil: 07 de Dezembro de 2017;
Há apenas uma única certeza em nossas vidas e é essa verdade imutável que define as características do estilo ao qual escolheremos nos adaptar durante este período. Mas se há esta constante inevitável de um lado, de outro há uma inconstante imprevisível. É apenas o que conhecemos que reconhecemos como uma realidade, e talvez por isso seja tanto o temor em encarar a única realidade que de fato aguarda por todos nós. Não é impossível se ver livre do medo que permeia e movimenta a grande maioria das vidas, mas é preciso um nível de compreensão tão pleno para ser livre que aparenta mesmo ser uma impossibilidade.
Até o mais insignificante dentre nós treme, como podemos perceber em Lucky, onde o próprio protagonista não encontra temor algum em admitir que “não é nada”. Mas ao contrário do que geralmente se espera em relação a uma obra niilista, o penúltimo filme da carreira de Harry Dean Stanton, falecido em Setembro deste ano, encara esse salto ao eterno desconhecido que finda a tudo que se conhece da maneira mais jovial possível, regado a bom0 humor e encarando com bons olhos como esta é, na verdade, apenas mais uma parte de nossas vidas, um processo pelo qual também precisamos nos adaptar.
Não há qualquer relutância em Lucky e, ainda assim, o longa de estreia do diretor John Carroll Lynch nunca aparenta ser uma obra sombria, pelo contrário. Ela é, entretanto, de uma razão indubitável, uma cadência de se admirar e que permite nos apreciar a poética que se constrói durante o filme, culminando em sequências de uma sensibilidade voraz, que apresentam uma capacidade de conversar com o espectador que esbanjam honestidade, se comunicam com uma sinceridade singular e que fazem com o que o filme se aproxime cada vez mais do âmago do próprio espectador. Parece impossível não se reconhecer em algum momento dentro da tela.
Muito por conta de como o ótimo roteiro dos estreantes na função, Logan Sparks e Drago Sumonja, encara a temática, que inevitavelmente se faz sempre muito densa e pesada, mas aqui acaba-se preterindo por acolher ao invés de refutar, ainda que a calma possa afastar parte do público que busca por algo mais casual. Até porque o diretor compreende a proposta do texto e, assim, o filme toma o tempo que precisa para desenvolver suas nuances e dar aos personagens, mesmo aos de efêmera participação, um realismo palpável, ao menos do ponto de vista acompanhado ao lado de nosso protagonista.
Chega a ser de uma harmonia exacerbante a atuação de Harry Dean Stanton, que parece estar em pleno acordo com si próprio e imerso em certeza de que eram estes o momento e o filme certo a se estrelar. Lucky não somente será lembrado como um dos últimos filmes da carreira deste grande ator, mas como um de seus mais grandiosos trabalhos durante a carreira. É excepcional a forma que o ator encontra para canalizar seu personagem, e paira a dúvida do quanto sua própria vivência empresta à figura, mas acabamos por encontrar aqui uma atuação que contém imensurável capacidade de sensibilizar.
É diretamente proporcional o que o ator faz pelo filme e o que o filme faz pelo ator, ambos parecem intrinsecamente conectados e promovem um trabalho cuja resultado é de uma faceta singular. Lucky resguarda dores e alegrias numa mesma proporção, enquanto homenageia e lamenta, celebra a vida. É um espetáculo visual que exprime maturidade do cineasta no comando, e é de uma rara precisão no funcionamento de seus elementos. O que permite, finalmente, que o filme debata sua filosofia sem pretensão alguma e com demasiada beleza. As lágrimas ao fim da sessão passam longe da tristeza, a emoção contida em Lucky é simplesmente arrebatadora.
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