Coringa (Joker, 2019); Direção: Todd Phillips; Roteiro: Todd Phillips & Scott Silver; Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Frances Conroy, Zazie Beetz, Brett Cullen, Glenn Fleshler; Duração: 121 minutos; Gênero: Drama, Super-Herói, Suspense; Produção: Todd Phillips, Bradley Cooper, Emma Tillinger Koskoff; País: Estados Unidos; Distribuição: Warner Bros. Pictures; Estreia no Brasil: 03 de Outubro de 2019;
Em “Cães de Guerra” o diretor Todd Phillips já deixava clara sua admiração pelo cinema de Martin Scorsese, mas não o fazia tão descaradamente, era, se não uma homenagem velada, um anseio em ser algo próximo do cineasta que Scorsese sempre foi. Aqui é até surpreendente o consagrado cineasta não estar envolvido no filme, visto o tanto que Phillips vai buscar como referência, principalmente, em “Taxi Driver” e “O Rei da Comédia”, até tendo relações que, de certa forma, são diretas a este último filme de Scorsese, sendo que ambos foram protagonizados por Robert De Niro, coadjuvante aqui e numa espécie de inversão de papéis em relação ao filme estrelado por ele em 82.
Assim, após três anos, Todd Phillips retorna com um novo filme e, tal como em sua obra anterior, tem a proposta de ser subversivo. Se em um filme suas ideias em relação a temática eram confusas e bagunçadas, em “Coringa” são mais centradas, até por tirar proveito da potencialização que o foco em um único personagem dá ao filme, ainda mais em se tratando de um dos vilões de revistas em quadrinhos mais icônicos na história, senão o mais popular dentre o vasto panteão destes antagonistas. Sendo também, inclusive, um marco para o hoje tão popular e difundido gênero de super-heróis pelo reconhecimento póstumo ao trabalho de Heath Ledger em “O Cavaleiro das Trevas”.
A bem da verdade que, na forma como, algumas vezes, ilumina e retrata sua Gotham City, Todd Phillips remete ao que ficou estabelecido no filme de Christopher Nolan, e parece até almejar no clímax de “Coringa” uma das cenas mais destoantes na filmografia de Nolan, aquele plano de Heath Ledger na viatura, fotografado de maneira tão singular por Wally Pfister. Enfim, não é somente ali que Phillips vai buscar alguma referência estética, “Taxi Driver” é uma influência constante numa Gotham que, não à toa, se assemelha gritantemente a Nova York retratada entre os anos 70 e 80 e, mais que talvez qualquer outro filme do gênero, busca um realismo ao extremo.
Por um lado, é extremamente gratificante ver um estúdio permitir que uma de suas propriedades tão rentável e popular ganhe uma versão assim, que se dá ao direito de ser realmente dramática e com algum conteúdo performático, que se faça mais madura ainda que seja questionável quem faz mais pelo filme, as mãos que assinam o roteiro ou o ator que protagoniza a história? Porque, por mais que a narrativa aborde temas mais sérios e relevantes, quem parece realmente elevar todo o restante é quem dá vida ao personagem título. Contudo, Joaquin Phoenix não está sozinho na hora de envolver o público.
Phillips nem sempre toma as melhores decisões para seu filme, todavia, é inegável que a equipe que reúne também atrás das câmeras em “Coringa” é um achado de escolhas felizes. A direção de fotografia, apesar de extremamente pretensiosa, tem no conjunto da obra um trabalho de iluminação e cores impressionante, dando vida a um ambiente criado com exímio por nomes com Mark Bridges (“Trama Fantasma”) e Mark Friedberg (“Se a Rua Beale Falasse”), respectivamente os responsáveis por figurino e Design de Produção do filme. É um trabalho inspirador e que dá gosto de ver, mas cuja execução, também, se sobressaem a história do filme.
Porém, um dos principais nomes responsáveis pela imersão tão profunda na psique do personagem é, sem duvida alguma, o da compositora Hildur Guðnadóttir, recém vencedora do Emmy pela trilha sonora, também excepcional, de “Chernobyl”. Assim, algumas semelhanças com certeza podem ser captadas entre as obras, mas só fazem denotar como uma das principais colaboradoras do falecido compositor Jóhann Jóhannsson tem uma capacidade singular de criar sons que imprimem uma gravidade imprescindível ao filme, assim como delineiam muito daquilo pelo que o personagem vive internamente, sem ser didático, mas sim potencializando o que vemos em cena. Algo cada vez mais raro de se encontrar em Hollywood.
É principalmente com a ajuda deste elemento que Joaquin Phoenix, portanto, se apresenta de maneira soberba em “Coringa”, numa transformação que se faz perturbadora pelo trabalho do ator, num filme completamente dependente da capacidade de seu protagonista em sair cena após cena de sua zona de conforto, num trabalho que envolve não só das expressões mais minimalistas, como também uma fisicalidade que foge do banal, não é uma mera muleta para angaria prêmios, é um ator no ápice de sua arte, numa construção de um perfil arrebatador, que foge aos tropeços de um texto que tenta levar o personagem para outro caminho.
Porque o roteiro co-escrito por Todd Phillips tenta a todo custo simpatizar com seu protagonista, justificar seus atos, de certa forma até torna o vilão numa espécie de anti-herói. Tudo porque deseja construir um comentário que visa a mídia e a cultura que hoje cerceia a sociedade, não é uma questão de endossar ou criticar algo, no entanto. “Coringa”, banhado em um raso niilismo juvenil, está recheado de um sentimento primal, voltado contra o “sistema” e que reflete muito do pensamento de seu realizador, tão perdido quanto seu protagonista. Na sua ingenuidade, se acredita capaz de tecer algo extremamente relevante. Seu alvo, contudo, é também a si próprio. Numa obra cuja fins desconhece, assim como os próprios meios de o atingir, a luta em ser subversivo é se mostrar contra o “establishment”, mas Phillips cria aquilo que o próprio deseja, no fundo, criticar. No fim das contas, “Coringa” é mesmo o filme certo na hora certa.
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