“O Beco do Pesadelo” (“Nightmare Alley”, 2021); Direção: Guillermo del Toro; Roteiro: Guillermo del Toro & Kim Morgan; Elenco: Bradley Cooper, Rooney Mara, Cate Blanchett, Toni Collette, Willem Dafoe, Richard Jenkins, Ron Perlman, Mary Steenburgen, David Strathairn; Duração: 150 minutos; Gênero: Drama, Thriller; Produção: J. Miles Dale, Guillermo del Toro, Bradley Cooper; País: Estados Unidos; Distribuição: 20th Century Studios; Estreia no Brasil: 27 de Janeiro de 2022;
Pouco mais de 4 anos após vencer o Oscar por “A Forma da Água”, Guillermo del Toro retorna com um novo filme e um elenco estrelado, recheado de nomes de primeira grandeza até nas menores participações. Não é à toa, portanto, que vem recheado de expectativas, sendo o projeto que vem a suceder o ápice do reconhecimento da carreira do cineasta uma produção de proporções maiores em quase todos os quesitos. Agora, conteúdo é o que não falta para quase todos esses nomes presentes no filme, por incrível que pareça. Há um claro protagonista, não há duvidas, mas o amor que del Toro tem por cada personagem de “O Beco do Pesadelo” torna tudo mais fascinante, envolvente e, sempre que possível, intrigante. E esses personagens habitam um Estados Unidos do fim dos anos 40 recriado pelo diretor com extremo esmero, que ao mesmo tempo que é encantador, tem seu tom do realismo decadente e da marginalização com que o universo da maioria desses personagens sofre. É talvez a fantasia menos fantasiosa da carreira de Guillermo del Toro, onde através de pequenos refúgios se constroem comentários sociais muito ricos e que se engradecem através do belíssimo estilo noir que predomina no filme.
Na verdade, desde o primeiro momento percebe-se que se trata de um filme noir. É a intenção de del Toro e ele estabelece isso muito bem. Feito logo desde o início, é também uma forma de intrigar, de inserir no filme uma ambiguidade que paira e só vai se dispersar conforme vamos indo mais a fundo na psique dos personagens, especialmente seu protagonista, interpretado por Bradley Cooper. Muitos dos tiques do gênero Noir estão ali, e funcionam muito bem, talvez até mais na segunda metade do filme, quando as lonas do circo dão lugar aos prédios de Nova York. Esse, aliás, é um problema do filme. Porque o acerto nesse clima específico de “O Beco do Pesadelo” é tão preciso que se cria uma distância daquele cenário mais fantasioso do circo. O que acontece é que isso influência muito no ritmo do filme, e o primeiro ato é tão introdutório em tantos sentidos que na segunda parte parece que já estamos assistindo outro filme, um pelo qual Guillermo del Toro está ainda mais interessado que em todo o restante. O conflito entre os dois “mundos” ali, no entanto, se torna menos efetivo do que deveria. Consequência de alguns pequenos detalhes que podiam tornar “O Beco do Pesadelo” ainda melhor do que já é.
Há uma certa frieza intencional na primeira parte do filme, e talvez Bradley Cooper devesse ser o responsável por fazer a ponte através da sua atuação. Mas ao mesmo tempo seu personagem não é cativante o suficiente. Então essa relação se torna mais difícil. Não ajuda também a personagem de Rooney Mara e a maneira como os dois se relacionam. É tudo muito simplório, ainda que se queira atenuar a ingenuidade, mas ambos os personagens parecem forçadamente jogados numa narrativa romântica que, mais tarde, mostra que precisava ser melhor estabelecida e ter mais força para funcionar com o choque necessário no momento certo. No fim, soa tudo muito protocolar e priva o público de uma emoção que seria extremamente necessária para um pleno envolvimento com a história. Até porque em dado momento são tantas informações que fica claro que algumas arestas deviam ter sido aparadas. O didatismo do início toma tanto tempo que, no final, algumas informações são simplesmente regurgitadas ao público sobre personagens que tem histórias grandes demais para caberem nas já longas duas horas e meia de filme. Não incomoda, porém. O básico de tudo funciona, mas fica o gostinho de que poderíamos ver algo ainda mais especial, inclusive quando se leva em conta o que funciona tão bem em “O Beco do Pesadelo”.
Desde seu primeiro momento em cena, Cate Blanchett rouba o filme para si. Não somente sua atuação é inspiradíssima, uma das melhores de sua carreira, mas sua personagem é talvez o encaixe mais perfeito à história. O papel que ela desempenha na narrativa, e sua presença avassaladora em cena, eleva tudo a outro nível, e os conflitos que são gerados é o que torna o clímax do filme tão efetivo. Blanchett é a chave do clima em “O Beco do Pesadelo” em sua segunda metade, e a melhor parte do filme. É desconcertante o quanto ela incorpora a sedução intrigante e irresistivelmente perigosa da personagem. Abre portas para o ato final onde os riscos tornam tudo numa espiral intrigante e recheada de suspense, que fazem todas as armadilhas do gênero noir terem algum efeito de alguma forma. É uma sequência de acontecimentos extasiante, ainda mais quando todos os elementos visuais são tão bem trabalhados por del Toro e sua equipe e trabalham em conjunto com a narrativa para contar a história do começo ao fim. É catártico. Com uma polida em alguns pontos do roteiro, teríamos aqui certamente o melhor filme na carreira do cineasta. Rooney Mara merecia algo melhor, e certamente seria capaz de entregar muito mais se tivesse essa possibilidade, por exemplo. O desejo que fica é que “O Beco do Pesadelo” ressoasse no todo como a última cena de Bradley Cooper no filme: uma grandeza arrebatadora!