A Bruxa (The Witch, 2016); Direção: Robert Eggers; Roteiro: Robert Eggers; Elenco: Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Kate Dickie, Harvey Scrimshaw; Produção: Daniel Bekerman, Lars Knudsen, Jodi Redmond, Rodrigo Teixeira, Jay Van Hoy; Estreia Mundial: 23 de Janeiro de 2016 (Festival de Sundance); Estreia no Brasil: 03 de Março de 2016; Gênero: Terror; Duração: 92 minutos; Classificação Indicativa: 16 anos;
É como eu sempre digo: precisa-se ter cuidado com as expectativas, principalmente quando o filme é vendido de uma maneira X, e na verdade é Y.
São quase incontáveis os casos em que isso acontece, especialmente em Hollywood.
A Bruxa vêm sendo vendido como um dos maiores filmes de terror da história, aliás, teve um crítico que chegou a dizer para as pessoas não verem o filme no cinema (como se esse fosse o verdadeiro papel do bom crítico, mas nem vou entrar nesse mérito), outros falam que nunca se assustaram tanto na vida.
Enfim, exagero é o que não falta em cima desse novo “blockbuster de terror”.
De cara, já vou dizer para não confiarem nisso, pois, se o que você procura é se assustar, do tipo pular na cadeira, esse não é o longa certo.
Agora, caso o seu intuito seja entrar na cabeça dos personagens e ficar com medo, agonia e tensão, sim, essa é fita pela qual, com certeza, você estava esperando.
Bem sucintamente, a narrativa acompanha uma família católica fervorosa do século XV.
Enquanto Thomasin, a irmã mais velha, estava brincando com o seu irmão mais novo, ainda bebê, ele, simplesmente, some, literalmente sob os olhos dela.
A única explicação racional encontrada pelos pais é que talvez tenha sido um lobo, mas a grande suspeita é que uma Bruxa da Floresta tenha capturado a criança.
Porém, conforme o tempo vai passando, os pais começam a suspeitar que a própria Thomasin tenha algum tipo de envolvimento com bruxaria e que, no fundo, ela seja a responsável pela tragédia.
Essa paranoia é corroborada pelo fato do outro irmão, Caleb, sentir atração física por ela.
E outras coisitas mais que vou preferir deixar na curiosidade de vocês e, claro, não posso dar spoilers e estragar a experiência.
Primeiramente é preciso ressaltar que não se trata de um filme fácil, com tudo mastigadinho, altas cenas de susto (enfim, já alertei isso lá no início) e grande parte disso se deve a Robert Eggers que, em sua estreia como diretor, já se prova muito mais competente que muitos outros por ai.
Reparem na forma como ele conduz a narrativa: vai entregando aos poucos, vai jogando uma e outra pista ali, mas sem nunca dizer exatamente o que cada coisa significa (sim, parece que o que estou falando é meio vago, contudo não quero dizer quais são essas pistas, vocês têm de tentar descobrir quando assistirem).
O que eu quero dizer é que ele consegue construir um universo diegético que se prova muito maior do que o qual vemos em tela, por conseguinte, começamos a duvidar e sentir a presença desse ser maligno abstrato por todos os lados, mesmo que não o tenhamos visto, necessariamente.
Aliás, algo muito semelhante ao que Polanski faz em O Bebê de Rosemary: temos uma que outra experiência sobrenatural durante a projeção, mas na maioria do tempo estamos lidando com o próprio psicológico dos personagens.
E é a partir daí que a Bruxa se torna uma experiência única de medo.
Vocês sabem que eu assisto a vários filmes de terror toda hora, é meu gênero favorito e eu digo, fazia tempo que eu não ficava tão agoniado em uma sessão de cinema.
E tudo isso, não porque eu estava vendo uma Bruxa gritando em tela (de fato ela aparece em um ou outro momento, mas não há como saber se não é fantasia dos personagens, por exemplo), mas, sim, porque o medo vem do que a própria família é capaz de fazer em nome de uma religião ou para, simplesmente, se proteger do diabo.
Dessa forma, é incrível como a produção, a despeito de retratar a Idade Média, lida com temas que ainda se mostram atuais como a fervorosidade religiosa e a coibição sexual, a primeira representada pela mãe (Kate Dickie) e pelo pai (Ralph Ineson) – não deixem de notar que, na cena em que todos estão sentados à mesa, o diretor, intencionalmente, enquadra o pai como se fosse Jesus em uma pintura – e a segunda encarnada na protagonista, Thomasin – reparem, também, como o figurino ajuda a corroborar com essa repressão que ela sente, apenas por despertar a sexualidade em todos os homens da história.
Ademais, há abordagens referentes à magia negra, principalmente em uma das poucas figuras explícitas da película, o Black Phillip, porém não vou me ater muito em tentar explicar, uma vez que estarei adentrando ao último ato do filme.
(Ressalto: evitem spoilers, eles podem acabar estragando a sua relação com o que ocorre nos últimos minutos da produção).
Além disso, todo esse sentimento de horror que se espalha pelo longa se deve, também, às excelentes escolhas do diretor de fotografia Jarin Blaschke que, assim como o resto do filme, foge totalmente dos clichês.
Quase não há cor na tela, tudo beira ao preto em branco, os dias são sempre nublados e, quando fica escuro, o bicho pega e o pavor começa a subir.
E, claro, nada daquelas trucagens ou cortes secos para você se assustar, o medo é genuíno, sempre.
Outrossim, não posso esquecer de exaltar o casting de A Bruxa: as atuações estão impecáveis, tanto do elenco adulto quanto do infantil e isso é essencial para entregar uma verossimilhança a narrativa.
Assim, com excelente direção, roteiro coerente, atuações fantásticas, fotografia horripilante e, principalmente, uma discussão relevante, A Bruxa já entra para o seleto grupo de clássicos do horror.
E digo isso sem medo algum, ainda mais nesta retomada que o gênero vem tendo cujos expoentes, Corrente do Mal e o recente, Boa Noite Mamãe não me deixam mentir.
Que venham mais, pois estou adorando tudo isso.
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