É com felicidade que estou cobrindo a Mostra Internacional de São Paulo, poder cobrir um festival de cinema dessa grandeza é sempre bem-vindo, ainda que o tempo seja curto, há aquela correria entre uma sessão e outra, falta de alimentação adequada e todos aqueles poréns que um evento desses exige. Faz parte, mas é uma experiência única e bem engrandecedora, sobretudo pela pluralidade de longas-metragens contidos na programação. Deixo aqui algumas impressões desses corriqueiros dias.

Girls Lost (Pojkarna)

Baseado em um livro homônimo nórdico, retrata a vida de três estudantes lésbicas do ensino médico que descobrem uma flor mágica que as muda de sexo após a ingestão de seu néctar. É atual se pararmos para pensar na difícil questão de debater sobre identidade de gênero e sexualidade, porém o longa carece de um argumento mais estável, que se sobressaia ao senso comum e nos proporcione realmente um instigante debate sobre a temática que ainda destoa como tabu. É um entretenimento, ainda assim, bem além da superficialidade hollywoodiana, o que já faz valer o ingresso.

Matriarcado (Matriarchy)

Filme grego que se baseia numa experiência sociológica única, agrupando diversas mulheres distintas, vindo de todo tipo de lugar, vítimas dos mais variados tipos de abusos, juntas numa espécie de “ONG”, que as estimula a botar para fora tudo que lhes foi oprimido. É, literalmente, um estudo sobre a singularidade feminina, como elas suportam aquilo que parecem insuportável, para além de rótulos e esteriótipos, não beira ao senso comum e dá uma aula de feminismo nato, sem parecer piegas e tão pouco artificial. Em tempo, onde no Brasil a Lei Maria da Penha acaba de completar uma década, sendo ampliada com a sanção da Lei do Feminicídio, nos faz pensar o quão primitivo somos, sobretudo por normatizar as agressões, nossa sociedade precisa muito ainda evoluir para de fato sermos um matriarcado. Mas é bom ver que há pessoas que ainda tentam chegar lá, dá uma esperança.

As Mil e Uma Noites: Parte 1 – O Inquieto (Idem)

Particularmente, estava curioso para a reinvenção do antológico conto das Mil e Uma Noites pelas mãos de um dos mais excepcionais realizadores portugueses, ainda mais sabendo que ele dividiu em três partes independentes entre si. “O Inquieto”, sua primeira parte, começa com uma denúncia da situação portuguesa precária, vítima de uma política feroz de austeridade econômica, ruindo a estabilidade social do país, onde que isso se encaixa na vida do diretor? É exatamente isso que ele nos mostra, sua apatia em realizar um filme para um país tão fragilizado, porém ele nos entrega sua obra. Em sua primeira parte, nos deparamos com Sherazade contando três contos para o Rei evitando sua morte, cada um deles é atualizado ao contexto social-econômico e político de Portugal, sendo cada um espetacular em sua essência, com destaque ao episódio do Galo, na qual o animal nos tenta “acordar” os humanos para a apatia referente da sociedade civil aos assuntos de interesse público. É cômico, atual e incrivelmente instigante, nos arrebata ao mesmo tempo que nos deixa com gostinho de quero mais. Imperdível.

Mate-me Por Favor (Idem)

Fui ver pelo furdúncio que causou no Festival do Rio, chegando a arrebatar os prêmios de direção e atriz. Sinceramente, algo não compreensível. Há qualidades técnicas eficientes, na sua fotografia e em certo ponto sua direção, mas o filme é de uma bobagem tão grotesca que no final o seu título não deixa de ser uma boa recomendação para quem queira arriscar a conferir. Eu não recomendo morte mais horrível que essa.

 

Aliança do Crime (Black Mass)

Vendido principalmente como o retorno triunfal do astro Johnny Deep a boa forma, depois de inúmeros fracassos, além de ser uma aposta quase certa para a próxima temporada de premiações. O filme peca por ser convencional, é narrado de um jeito ultrapassado demais, consegue construir uma atmosfera grandiosa quando Deep está em cena, ele é o filme, seu personagem por mais grotesco que seja é arrepiante, nos impressiona, cativa, amedronta, enoja… Enfim, é um misto de sentimentos, ainda há um elenco de peso com bons momentos, Benedict Cumberbatch, Kevin Bacon, Joel Edgerton (esse último na atuação de sua carreira). O problema se baseia mesmo na direção quadradinha de Scott Cooper, além numa maquiagem grosseira nos personagens, chega a prejudicar o astro principal. Contudo, não ao ponto de dispensa-lo de sua próxima indicação ao Oscar, acredito eu. Tinha potencial para além de filme de gênero, mas infelizmente decai aqui, o que não deixa de ser uma pena para o cinema como um todo.

 

 

 

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