Diários de Otsoga” (2021); Direção: Miguel Gomes, Maureen Fazendeiro; Roteiro: Miguel Gomes, Maureen Fazendeiro, Mariana Ricardo; Elenco: Crista Alfaiate, Carloto Cotta, João Nunes Monteiro; Duração: 102 minutos; Gênero: Drama; Produção: Luís Urbano, Filipa Reis, Sandro Aguilar, João Miller Guerra; País: Portugal; Distribuição: –; Estreia no Brasil: –;

Chega a ser banal, passados quase dois anos de pandemia de COVID-19, elencar os desafios individuais e coletivos aos quais a sociedade e os demais setores produtivos passaram. O Cinema enfrentou um desafio hercúleo, se adaptando na forma de distribuir e reproduzir os filmes, ao mesmo tempo que produzia novos projetos da maneira mais segura possível. Para além das questões sanitárias, é preciso salientar as questões temáticas. Quais os reflexos desse evento sanitário no humor e clima das pessoas e, consequentemente, daquilo que eles almejam consumir?

Preocupado com essas questões, porém não necessariamente em apresentar quaisquer resposta contundente, os cineastas portugueses Miguel Gomes (Da trilogia “Mil e uma Noites” e “Aquele Querido Mês de Agosto”) e Maureen Fazendeiro (estreando como diretora de um longa-metragem) fazem de seu novo filme, “Diários de Otsoga”, um suposto experimento cinematográfico de como filmar em um cenário de pandemia e desgaste mental decorrente do isolamento social. Suposto pelo fato de ambos usarem do cenário pandêmico para construírem uma narrativa que exalta o potencial e a beleza do cinema – mesmo em declínio, consegue ser encantador.

Acompanhamos o trio de protagonistas, vividos por João Nunes Monteiro, Crista Alfaiate e Carloto Cotta, em isolamento social. Eles são amigos próximos, e tentam ter dias produtivos e construtivos, um dos “eventos” que os entretém é construir um borboletário. À medida dos dias, começa-se a azedar a relação dos três, com mágoas e conflitos surgindo silenciosamente à tona. Nada é, literalmente, o que parece. Em dado momento, percebemos que o maior conflito é um metalinguístico: a equipe do filme, os próprios cineastas e seu elenco, estão em busca de fazer um filme, mas não sabem ao certo qual.

Para quem é familiarizado com o cinema português, em especial o do realizador Miguel Gomes, está ciente do seu apreço por fazer jogos metalinguísticos, às vezes de forma orgânica, outras de forma cínica, até gratuita. Felizmente, em Diários de Otsoga, é o caso da primeira opção. Em meio ao caos e atrito, a dupla de cineastas tenta mostrar o potencial que o cinema ainda tem de elevar a vida das pessoas, numa busca quase idílica pela plenitude. A forma como ele desenvolve a interação entre seus protagonistas, filma seus desejos, dúvidas, atritos, mágoas, confusões mentais – e como – e, principalmente, sua esperança que dias melhores virão, torna a experiência carregada de humanidade – e também reafirmação de como o cinema se inventa e reinventa frente às adversidades.

É um filme divertido, pelo fato de equipe e diretores compreenderem o momento pelo qual o mundo passa, optando não meramente por documentar esse contexto, e sim, colocar a mise-en-scène a serviço de uma narrativa que se apropria do cenário para exaltar valores dos mais humanos: amizade; desejo; esperança; a ousadia de sonhar – sinônimo de fazer cinema, obstinado a superar os obstáculos em prol do fazer cinematográfico. Pode ser redundante ou mesmo bobo para muitos, contudo, para outros como eu, soou bastante encantador e satisfatório.

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