“Morte no Nilo” (“Death on the Nile”, 2022); Direção: Kenneth Branagh; Roteiro: Michael Green; Elenco: Kenneth Branagh, Tom Bateman, Annette Bening, Russell Brand, Ali Fazal, Dawn French, Gal Gadot, Armie Hammer, Rose Leslie, Emma Mackey, Sophie Okonedo, Jennifer Saunders, Letitia Wright; Duração: 127 minutos; Gênero: Mistério, Thriller; Produção: Ridley Scott, Kenneth Branagh, Judy Hofflund, Kevin J. Walsh; País: Estados Unidos; Distribuição: 20th Century Studios; Estreia no Brasil: 10 de Fevereiro de 2022;
Depois do sucesso de bilheteria de “Assassinato no Expresso do Oriente” em 2017, ainda que não tanto animador como filme em si, havia alguma expectativa em relação ao próximo capítulo que Kenneth Branagh adaptaria do detetive de Agatha Christie, Hercule Poirot, e quais estrelas reuniria para o elenco dessa vez. Tanto mudou desde então. Aliás, “Morte no Nilo” estava previsto para estrear em 2019 e, depois de diversos outros adiamentos durante a pandemia, chega aos cinemas somente 3 anos depois do previsto. É, inclusive, um dos últimos filmes, senão o último, herdado pela Disney na compra da 20th Century Fox, agora 20th Century Studios. De certa forma agora é também um legado de outros tempos. Sem contar em como as expectativas em relação ao filme foram comedidas depois que “Entre Facas e Segredos”, de Rian Johnson, fez sua própria versão das histórias de Agatha Christie e de forma muito mais memorável, pois também melhor em todos os sentidos, que Branagh. Um dos principais motivos é o autor da narrativa, enquanto de um lado Johnson tem uma veia autoral de qualidade muito evidente e pulsante, Branagh tem como roteirista Michael Green, que apesar de bem sucedido em Hollywood sempre foi e continua sendo extremamente limitado.
Ao menos em “Morte no Nilo” não tenta se colocar como mais inteligente que o público. O mistério não deixa de ser interessante, porém é um tanto quanto óbvia sua resolução, justamente porque não é a grande reviravolta a intenção de Branagh ao contar a história. Até porque é perceptível a dificuldade que o texto tem em dar aos personagens alguma textura sincera, algo além de arquétipos genéricos de suspeitos que realmente coloquem em duvida quem poderia ter cometido o crime. É raso e é simples, mas Kenneth Branagh entende o que é necessário e coloca para funcionar aqui o que torna tudo muito mais palatável. Desde o primeiro momento, num flashback, fica evidente como esse segundo filme tem uma faceta camp, se é intencional ou não, pouco importa, pois o que importa é que funciona. E ao assumir o amor como sua temática também se dá ao direito de deixar a breguice rolar solta. O mistério do caso a ser resolvido, portanto, fica em segundo plano, porque o que mais entretém é o melodrama excessivo muito bem-vindo. O que é chave para o clímax do filme, onde Kenneth Branagh se encontra em um dos seus momentos mais inspirados e entrega uma conclusão Shakespeariana (seu forte) de encher os olhos.
É engraçado, porém, como nossa própria percepção em relação ao elenco pode influenciar e ter mudado depois de tantos adiamentos do filme. Se um dos protagonistas caiu em desgraça, com alegações bizarras contra Armie Hammer vindo à tona no último ano, Emma Mackey, até então pouco conhecida quando entrou para o elenco, atingiu um sucesso avassalador a partir de um dos maiores fenômenos da Netflix. O mesmo serve para Gal Gadot e a controversa escolha da atriz para interpretar Cleópatra em um filme. Querendo ou não, “Morte no Nilo” é um prato cheio para, literalmente, se imaginar a atriz no papel e criar expectativas ou apenas rir do que está por vir. E Letitia Wright então, é fácil desconfiar de sua personagem agora, não? Tudo isso influencia nessa percepção camp do filme, os conflitos dessas pessoas públicas na vida real com os arquétipos que estão interpretando. Pode ser doloroso de aguentar também. Talvez até por isso, e pelo talento e carreira incontestáveis, as atuações mais cativantes venham de atrizes como Annette Bening e Sophie Okonedo. O mesmo poderia ser dito de Jennifer Saunders e Dawn French, mas a história das personagens é ofuscada pelo uso de ambas como um alívio cômico repetitivo.
Benning e Okonedo, no entanto, são as grandes estrelas em “Morte no Nilo” no fim das contas. A primeira entendendo tão bem sua personagem e está a vivendo com gosto, é poderosa quando precisa e é quem torna, de alguma forma, o filme em algo tocante quando pode. Já Okonedo é uma presença arrebatadora em cena, e é quem sustenta e torna interessante um dos principais romances do filme. Uma performance inebriante. Por fim, Kenneth Branagh entende melhor, sim, a dinâmica para que seu filme funcione de maneira que baste a entreter de forma até mais enérgica que o primeiro filme. O tom é diferente. Contudo, também tem seus prós e contras. Enquanto funciona como camp, é visualmente tão artificial que doem aos olhos suas imagens, a plasticidade da fotografia de Haris Zambarloukos, porém, pode se alegar aludir à personalidade de seus personagens e funcionar de maneira lúdica. Depende do seu humor. A edição frenética é outro ponto. No geral, como construção narrativa, é funcional, mas dentro das sequências existe uma frenética que por várias vezes se faz excessiva. Até aí existem prós e contras, porque enquanto atrapalha em outros momentos, no clímax a construção é genial. Que maneira melhor de retratar o Hercule Poirot de Kenneth Branagh, afinal? Um brilhante e genial detetive envolto no caricato.