Manchester à Beira-Mar (Manchester by the Sea, 2016); Direção: Kenneth Lonergan; Roteiro: Kenneth Lonergan; Elenco: Casey Affleck, Lucas Hedge, Michelle Williams, Kyle Chandler, C.J. Wilson, Gretchen Mol, Kara Hayward, Anna Baryshnikov, Matthew Broderick; Duração: 137 minutos; Gênero: Drama; Produção: Matt Damon, John Krasinski, Kimberly Steward, Chris Moore, Kevin J. Walsh, Lauren Beck; Distribuição: Sony Pictures; País de Origem: Estados Unidos; Estreia no Brasil: 19 de Janeiro de 2017;
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Se olharmos de forma superficial, Kenneth Lonergan retorna aos cinemas com Manchester à Beira-Mar após um hiato de 5 anos. Se encaramos, porém, a realidade que fez do seu filme anterior uma provação, temos de levar em conta que o hiato é de uma década.
Margaret tinha sua estreia prevista para 2007, mas depois de desentendimentos entre Lonergan e o estúdio, uma batalha judicial e problemas financeiros, o filme só chegou aos cinemas, picotado, em 2011.
Não foi recebido com carinho, muito menos vingou como devia. Pois, além do óbvio amadurecimento de Lonergan como cineasta desde Conte Comigo (You Can Count On Me), seu excelente filme de estreia lançado em 2000, Margaret era uma obra arrebatadora, para ser estudada e pensada.
O tempo passou, mas o diretor e roteirista em Lonergan parecem não ter desistido de se desenvolverem. Ao contrário do que se poderia esperar, não houve nenhuma parada no tempo e, de forma mais segura e com plena certeza do que quer, é como se Manchester à Beira-Mar emprestasse da carreira de seu autor os melhores elementos possíveis, tornando-se de imediato em uma das obras de maior expressão da década.
Expressar, aliás, é algo que os roteiros de Lonergan parecem fazer de maneira minuciosa. Aqui mais ainda, afinal, os personagens em cena parecem detentores de uma realidade mais que convincente, com falas e diálogos que dão a impressão de terem sido meticulosamente inseridas pela brilhante mente de seu autor.
Ainda assim, soam tão naturais como tão raramente se encontra no cinema. Aqui entra o trabalho cada vez mais impressionante de Lonergan como diretor, que dá a vasão necessária para que o todo funcione, culminando no resultado que encontramos naquele que é o melhor e mais completo trabalho de sua carreira.
O que também acontece pelo mesmo cuidado com o qual o elenco parece ter sido selecionado, e na maneira na qual corresponde ao material que lhes é entregue para dar vida. Desde as mais singelas participações de Kyle Chandler (Bloodline), ao absolutismo de Casey Affleck em cena. Do suporte de Michelle Williams, a confrontação de Lucas Hedges.
É verdade que pesa o grau dos tamanhos dos papéis em cena, assim, se destacam mais aqueles que consequentemente tem mais tempo, e brilhante tempo, em cena. Ou então as cenas mais contundentes. Independentemente disso, a verdade é que o trabalho do elenco principal é algo excepcional.
É fundamental, portanto, deixar que o desenvolvimento do filme lhe convença de sua história. Porque o que a princípio pode parecer incompreensível, vide as reações e atitudes do personagem de Casey Affleck, posteriormente vamos assimilando àquilo tudo que torna essas figuras em quem são.
As peças começam a montar algo muito maior, do qual Kenneth Lonergan blinda a si próprio, seu filme e seu público de uma decaída em melodrama. A sobriedade com a qual se desenvolvem essas relações no filme tem um olhar tão clínico, imparcial, que encaramos o todo displicentes do quanto seremos afetados pelo âmago que ali se resguarda.
A realidade é que as reviravoltas que a narrativa resguarda, ainda que em determinado momento não tão surpreendentes, são conduzidas com maestria tal que o golpe em nós desferido é arrebatador, a estrutura que se abala, literal e figurativamente, transcende a ficção.
Aí se lança um estudo de personagem que é encantador, pois passando a compreender, e observar a história no todo, começamos a nos deparar com as próprias limitações e incapacidades que o Lee Chandler de Casey Affleck toma para si, não numa escolha de bom grado, mas pelo fardo que tem de carregar consigo independentemente do que lhe aconteça.
Manchester à Beira-Mar não é, e em momento algum tenta ser, um filme simples. Complexo, intrincado e desafiador, mas em termos que se estendem não no desenvolvimento de sua narrativa, e sim na leitura de seus personagens e suas vidas. Suas ficções se apresentam a nós como amargas realidades que pedem para ser aceitas.
Se em Conte Comigo a personagem de Laura Linney vivia a espera de alguém que nunca voltaria, em Margaret a adolescente interpretada por Anna Paquin se via rodeada de indiferenças enquanto convivia com algo que jamais lhe abandonaria. Aqui, o personagem de Casey Affleck dá um passo adiante na solidão, suspenso em um trauma que ele não consegue abandonar.
Quando assomamos os fatos, as causas e as consequências que fazem da vida de Lee Chandler em si uma prisão, pensar Manchester à Beira-Mar é, então, um evento em si trágico. Lidar com emoções que não compreendemos, com dores das quais nos consomem, é algo do qual não sabemos como realizar. A fragilidade incomunicável e ainda tão expressiva da vida, um paradoxo que nos domina mais do que a nós mesmos, uma tragédia anunciada onde desde o princípio lutamos por algo passageiro.
Manchester à Beira-Mar destitui essa obrigação de se ostentar uma artificialidade, aceita o fato de que não é, ou devia ser, uma regra. Que nossos erros, nossos deslizes, muitas vezes sem retorno, podem ser demais para contorna-los. Entende, e pede que se entenda, que não há problema algum nisso. Já anunciava a personagem de Jeannie Berlin (The Night Of) em Margaret, “você tem todo o direito de falsificar sua vida, mas não tem direito algum em falsificar a dos outros”.
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