Falarmos em “advento” da internet se referindo ao que é, hoje e dentro do possível, bastante difundido, parece um equívoco. Atualmente o advento é a nova forma de consumo de conteúdo, que precisa e vê possibilidade de se oferecer em diferentes maneiras conforme as ferramentas vão se tornando cada vez mais acessíveis. O que seria mais acessível, portanto, do que aquilo que fala “Pretérito. Imperfeito”, filme da realizadora chinesa Shengze Zhu, que faz um recorte desse fenômeno global que são as livestreams, também vastamente populares entre o público mais jovem no Brasil. Entretanto, existem duas diferenças, e através das peculiaridades se constrói aqui um rico panorama.
“Pretérito. Imperfeito” aos poucos revela possuir diversas camadas, que são debatidas mesmo que Zhu não as utilize como um dispositivo direto de discussão, são aquilo o que configura contexto maior aos “âncoras” que acompanhamos, chineses em sua maioria periféricos, que trazem seu público para dentro do cotidiano que vivem. São tantas camadas que, por exemplo, a quantidade de tempo que estes passam consumindo conteúdo, tanto numa troca de experiências com seus espectadores como próprios espectadores de outros “âncoras”, nem é em si um tópico discutido para se levantar debates, mas acaba se vendo intrinsecamente ligado às outras questões.
A princípio, e isso pela forma como somos introduzidos ao filme, não parece que acompanharemos um foco tão pessoal, mas Zhu seleciona organicamente um grupo de “âncoras” aos quais retornará e que dão as nuances que definem o filme. Assim, vamos vendo ser construída uma espécie de “nova China”, de interação promovida, mas que, ao mesmo tempo, não deixa de ser o lugar que sempre foi, apenas assume uma nova roupagem, onde os dois lados da tela, o que transmite e o que assiste, escrevem novas saídas dessas suas rotinas em maioria tão maçantes e que raramente os compensa.
Há, obviamente, justaposições que denotam as diferenças entre as vivências de cada um ali e, até mesmo, revelam sobre sua própria realizadora que, apesar de uma conexão em específico, escolhe juntar as outras tramas destes “âncoras” por motivos que não exatamente modificam como percebemos o filme no todo. Somos relegados a estas histórias e, provavelmente, o público há de se identificar mais com um ou outro personagem-âncora pelas condições em que estes vivem, ou pelo seu próprio carisma. Há diferentes maneiras em que se envolver com o filme, e isto é parte fundamental de sua beleza.
“Pretérito. Imperfeito” constrói um registro dessas vidas, mas não como uma mera peça de memória, a qual se pode recorrer. É a obra subjetiva, e até interpretativa, que se estabelece no momento, independentemente de quaisquer fatores externos, mas simultaneamente ligados a eles. Podemos encarar como apenas um recorte, ou um grande panorama que mostra para além daquilo que aqueles ali imaginavam estar por fazer.