The Night Of (1ª Temporada)
(HBO, 2016-)
Direção: Steven Zaillian, James Marsh
Roteiro: Richard Price, Steven Zaillian
Elenco: Riz Ahmed, John Turturro, Michael K. Williams, Bill Camp, Jeannie Berlin, Peyman Moaadi, Poorna Jagannathan, Glenne Headly, Amara Karan, Ashley Thomas, Paul Sparks, Sofia Black D’Elia, Afton Williamson, Ben Shenkman, Chip Zien, Paulo Costanzo, Ned Eisenberg, Kirk Jones, Glenn Fleshler, Mohammad Bakri, Nabil Elouahabi
Número de Episódios: 8 episódios
Período de Exibição: 10 de Julho a 28 de Agosto de 2016
O texto contém spoilers.
The Night Of parecia ter sido a grande surpresa do ano após sua estreia na HBO, entretanto, muito da qualidade da série já era de se esperar, sem o mínimo exagero. O fato de ser uma releitura de Criminal Justice, série britânica escrita por Peter Moffat, poderia ser um receio, mas os nomes da versão norte-americana eram tão autossuficientes quanto. Desenvolvida para a HBO por Steve Zaillian e Richard Price, os dois provam desde o primeiro momento o que se devia esperar, ainda mais com nomes no elenco que vão desde muito consagrados a novos e incontestáveis talentos, tudo trabalhando perfeitamente em conjunto.
The Night Of conta a história de Nasir ‘Naz‘ Khan (Riz Ahmed), um jovem de família paquistanesa nascido e criado nos Estados Unidos, em Nova York, cidade na qual os pais de Naz batalham por uma vida melhor para ele e seu irmão. Certa noite, entretanto, Naz pega emprestado, sem permissão, o táxi de seu pai para ir a uma festa da faculdade, mas para no meio do caminho quando abordado por Andrea (Sofia Black D’Elia, de Ben-Hur), com quem passa a noite junto. Mas em algum momento da noite, algo acontece, pois quando Naz acorda, sem lembrança do que houve, e encontra Andrea morta, passa a ser ele o único suspeito.
A dúvida sobre o crime não só pode perdurar eternamente, como deve, mesmo que The Night Of tenha deixado subentendido que outra pessoa fosse responsável pelo crime. E é começando pelo final, a não resolução do caso, que é uma forma de falar sobre a série, porque é quando todos os caminhos se cruzam que a premissa quase subliminar da série se confirma. Não tanto o crime interessa aos realizadores, mas os lados e os extremos de todos que se envolvem no processo criminal, desde quem o supostamente comete até quem julga aquele que é considerado culpado.
Para uma série de apenas oito episódios e um arco narrativo conclusivo, as jornadas pelas quais The Night Of nos conduz são dignas de admiração. Não só por determinada diversidade de pontos de vista, mas por diferentes arcos narrativos de personagens que se mostram uma grande infelicidade, muito porque, provavelmente, existiram apenas para esta temporada da série, isso se ela não for a única. A qualidade destes e sua funcionalidade numa trama tão passageira, enaltece por si só certos trabalhos, que se tornam memoráveis por envolverem diversos elementos, dando camadas e camadas a serem exploradas e apreciadas pelo espectador.
Fazer tanto com tão pouco tempo parece sintetizar-se, em The Night Of, no detetive Box de Bill Camp. Faltam palavras para descrever a impressionante atuação, que de fato nos apresenta uma besta sutil. Não apenas a atuação de Bill Camp se destaca, mas o arco narrativo do detetive acaba conseguindo gerar uma grande empatia. Há um discurso sobre decadência e integridade que dão um tom melancólico certeiro ao personagem, esboçando também uma reflexão sobre a humanidade em si no geral, como se o desgaste recorrente, com o passar dos anos, banalizasse qualquer sinal de esperança que se pôde algum dia ter.
Um contraponto vital, e que dá vida à The Night Of, surge, portanto, no personagem de John Turturro. Seu John Stone pode incomodar a muitos, no entanto, o que parece funcionar como um alívio cômico, se revela, na verdade, parte integral da narrativa, servindo como um termômetro para a situação de Naz. O personagem com seu eczema, sua alergia e um gato, nos conduz por uma analogia quase subsequente ao andamento do caso criminal e das decisões de Naz quando encarcerado. A atuação de John Turturro, e aquilo que ele evoca emocionalmente no espectador, torna o personagem uma força independente e, ao mesmo tempo, potencializa o mote da narrativa.
O lado externo da situação parece ser complementado por duas personagens femininas que também são contrapontos. A primeira é a inexperiente advogada de defesa, a Chandra Kapoor de Amara Karan, que sofre com escolhas questionáveis do roteiro, mas serve a um propósito específico. A segunda é a Helen Weiss de Jeannie Berlin, que complementa o discurso iniciado com o Detetive Box, dando uma percepção rica e ambígua sobre o sistema judiciário norte-americano, se embasando em uma brilhante atuação de Jeannie Berlin, culminando em uma das cenas que, sem sombra de dúvidas, é uma das mais icônicas da televisão no ano.
Antes de chegarmos ao cerne, esbarramos em mais outro contraponto: a inocência e a corrupção. Duas famílias e duas facetas de Naz. Uma família vê, ou via, o filho como puro e inocente, mas chega a titubear, quase abre mão das esperanças. A outra, com o Freddy de Michael Kenneth Williams em uma atuação soberba, reluta em abrir mão da esperança. Dois lados que se opõem tão veementemente, que colocam em dúvida o quanto cada um conhece sobre o personagem motriz da trama, o quanto cada lado batalha para ter ele ao seu lado. Nos incitando, também, a questionar sobre a dubiedade de Naz.
E como não questionar Nasir Khan? O maior feito é como o primeiro episódio da série trabalha com uma integridade avassaladora, como se estivesse colocando todas as cartas na mesa. Forma-se uma defesa, na mente do espectador, muito consistente. A transformação de Riz Ahmed (O Abutre) episódio após episódio, no entanto, cada vez contradiz mais o que foi dito no primeiro episódio. É o jovem ator que parece coroar a série, com uma atuação que consegue se mostrar forte o suficiente para que todas as outras peças em The Night Of girem ao seu redor, seja a favor ou contra.
Por conta da brutalidade dos personagens, suas atitudes e as situações que confrontam, é estranho dizer que The Night Of possui tremenda sensibilidade, mas é verdade. Através de uma direção singular, com uma fotografia estilizada, The Night Of consegue toda a sensibilidade que precisa, extraindo de cada momento o máximo possível. Só que extraí o máximo possível também em todos os aspectos, levando a uma conotação que vai além de apenas oito episódios, que atinge o âmago da sociedade, da civilização, da humanidade. The Night Of não é apenas sobre a noite de um crime, é sobre uma única noite capaz de definir toda uma vida.
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