“O Homem do Norte” (“The Northman”, 2022); Direção: Robert Eggers; Roteiro: Sjón & Robert Eggers; Elenco: Alexander Skarsgård, Nicole Kidman, Claes Bang, Anya Taylor-Joy, Ethan Hawke, Björk, Willem Dafoe; Duração: 137 minutos; Gênero: Ação, Aventura, Drama, Fantasia; Produção: Mark Huffam, Lars Knudsen, Robert Eggers, Alexander Skarsgård, Arnon Milchan; País: Estados Unidos; Distribuição: Universal Pictures; Estreia no Brasil: 12 de Maio de 2022;
Robert Eggers chega em “O Homem do Norte” a apenas seu terceiro longa-metragem na carreira e num período de 7 anos entre seu primeiro e seu mais recente filme, é impressionante como o cineasta já deixa uma marca muito forte de seu cinema. Da sensação indie de horror “A Bruxa”, protagonizada pela revelação Anya Taylor-Joy, e do claustrofóbico duelo freudiano entre Robert Pattinson (“Batman”) e Willem Dafoe em “O Farol”, ambos contidos por orçamentos relativamente pequenos em Hollywood, para o épico estrelado por Alexander Skarsgård, o cineasta não deixa de lado, em momento algum, sua identidade e o que deseja para realizar seu objetivo com o filme. A experiência que é “O Homem do Norte” justifica criativamente a aposta, mas o sucesso, ou a falta dele, não surpreende justamente por se tratar de um épico que não cede a regras convencionais e que se atem fielmente às suas rédeas autorais, que ditam as diretrizes de como tudo no filme se desenvolve. O resultado é memorável não somente por isso, mas pela competência que Robert Eggers demonstra a cada momento, estando em pleno controle de seu filme e no comando de uma equipe, à frente e atrás das câmeras, que entregam um trabalho completamente inspirado.
Assim como em seus outros dois filmes, a imersão que Robert Eggers proporciona como um fator essencial a suas produções segue intacto. Mas não se trata simplesmente da ambientação, tudo no filme parece e soa característico, como se fosse não somente uma admiração pela produção que está sendo realizada, mas um objeto de estudo em que cada detalhe merece a devida atenção. As partes, porém, não se sobressaem ao todo para Eggers, é importante que funcionem organicamente em conjunto, porque é assim que se elevam. O conjunto da obra, então, é que se torna admirável. A riqueza de detalhes faz com que se mergulhe de cabeça nesse universo que Eggers e sua equipe constroem, porque há uma sensação de autenticidade que parece reforçar o envolvimento do espectador com o filme. Você se encontra envolto por cada momento em “O Homem do Norte”, submerso por uma visão que nos transporta para junto dos personagens. Não há um departamento responsável pela realização do filme que não se destaque pelo trabalho que é entregue, é realmente um feito impressionante como tudo orna e soa de maneira retumbante. Um organismo que está em constante movimento e se adapta ao que mente de Eggers imagina.
O elenco está em sintonia com tudo isso e entre si. Não só entendem a proposta, como são trabalhados de maneira excepcional. Alexander Skarsgård parece maior do que nunca em “O Homem do Norte”, mas não é apenas seu porte físico que impressiona, a postura que o ator assume transforma sua fisionomia em algo assombroso, mas não são apenas músculos, o ator realmente convence de que no âmago de seu personagem há apenas lugar para a vingança, a fúria que tomou conta após ter que se refugiar de seu reino. Conforme o desenrolar do filme, há também dor ali, e Skarsgård brilha (às vezes até literalmente). Anya Taylor-Joy, por sua vez, traz um peso diferente ao filme, ainda que sua personagem tenha motivações tão furiosas quanto a de Skarsgård. É uma forma diferente de se expressar, e a atriz traduz muito bem isso. Nicole Kidman dispensa elogios, e é em seu momento chave no filme que a atriz demonstra a razão disso, de forma que torna o assombroso Skarsgård em um bebê desemparado. Sua voracidade em cena é arrebatadora. Já Claes Bang entrega um antagonista que torna as motivações do protagonista ainda mais instigantes, ajudando o filme a tomar um ar soturno, porém humano.
E esse limiar entre o sobrenatural, das crenças explicitas muito fortemente pelos personagens, e o racional, mas também humano, é algo que Robert Eggers trabalha com maestria. É praticamente uma característica da qual ele utiliza em “O Homem do Norte” para construir suas sequências. O real e o imaginário se digladiam em um período onde a brutalidade definia a humanidade de alguém. Delírio ou realidade? Obra divina ou um destino forjado a mãos? A construção disso vai se dando em um dinamismo que faz o filme parece sempre vivo. O diretor de fotografia, Jarin Blaschke, junto de Eggers comanda sequências de renovar e tirar o fôlego. As sequências de ação parecem tiradas de um videogame, porque a sensação que propiciam são únicas, elas captam o filme de maneira a nos colocar ali, ao lado dos personagens, em sua pele. É de arrepiar. Assim como todo o visual que é construído, onde luz e sombra desempenham um papel fundamental, onde cores ganham vida de forma estonteante, enquanto também se brinca com o preto e branco, tão vistoso no trabalho anterior da dupla (“O Farol”, que rendeu uma indicação ao Oscar à Blaschke). Ferramentas que não só conversam a todo momento com a narrativa do filme, mas ajudam ela a ser construída. Se o cinema é uma arte, é por obras como “O Homem do Norte”, que não só despertam um deslumbramento e uma variedade de sensações, mas inspiram através de sua construção recheada de brilhantismo.