Arábia (2017); Direção e Roteiro: Affonso Uchôa, João Dumans; Elenco: Aristides de Sousa, Murilo Caliari, Glaucia Vandeveld, Renata Cabral, Renato Novaes, Wederson Neguinho, Adriano Araújo, Renan Rovida; Duração: 96 minutos; Gênero: Drama; Produção: Vitor Graize; País: Brasil; Distribuição: Pique-Bandeira Filmes; Estreia: 05 de Abril de 2018;
Arábia foi o grande vencedor no Festival de Brasília este ano e não à toa, afinal é um filme detentor de tal poder que se vê capaz de sintetizar o momento contemporâneo que vivemos e expor o que resguarda no âmago do indivíduo, retratando o mesmo de forma individual, com características próprias e, assim, o tornando universalmente relacionável.
Por mais piegas que possa soar é plenamente compreensível, onde até o próprio filme tem noção disso e, logo em seguida, lida com a suspensão de descrença e com o descrédito em que se cai o discurso, seja por uma inércia coletiva ou simplesmente porque tais palavras já não mais se fazem o suficiente para inflamar o ouvinte.
É uma história que trafega através do tempo, nas lutas cotidianas das figuras que formam essa paisagem de uma Mina Gerais que abraça diferentes figuras. Seres marginalizados em suas próprias vidas e que constroem suas histórias de maneira desapercebida, seus feitos, porém, não podem jamais ser considerados como não detentores de alguma grandeza.
Arábia dá justamente essa vasão à história de um transeunte que se mescla a paisagem, sem deixar transparecer a qualquer um os caminhos de sua jornada até ali. Mas a história resiste, e são em contos como este de Affonso Uchôa e João Dumans que se faz eterna.
Uma obra cuja beleza reside nos detalhes que formam deste um retrato tão acurado e humano. O longo caminho que cruza o protagonista, numa espécie de road movie, é todo desenvolvido a partir da leitura de suas memórias, singelas para o mesmo, mas capazes de transportar seu leitor, assim como o público.
São relatos das estradas e das vidas que ali se constroem, e se perdem e se vão. Que vão e vem, sem se fazer notar. Mas a maneira como se conectam aos outros, direta ou indiretamente, é um dos grandes trunfos de Arábia, a importância que o filme lhes dá é imprescindível.
Há ainda que se considerar que a inexperiência do desconhecido elenco, em sua maioria. Por vezes pode parecer abalar o andamento, mas na verdade gera tal naturalidade à obra que é difícil contestar escolhas. Das mais importantes ações, as que se destacam são, por fim, as que exibem uma honestidade voraz, intrínsecas dos personagens nos seus intérpretes.
Há harmonia e equilibro na construção dos momentos pela captura singular dos mesmos, numa linguagem que permite ao silêncio se fazer presente e onde se contempla o estado atual daqueles que vemos ali, daquele que acompanhamos tão avidamente.
Assim, o panorama que encontramos pela frente é um que diz muito através desse indivíduo, que vive sua vida como pode. É tanto uma consequência como uma circunstância de tudo aquilo ao seu redor, e sua imobilidade frente ao estado em que se encontra é também peça central.
Os gritos que não se fazem ouvir dão lugar ao silêncio de uma vastidão que apenas aceita. É como a piada do árabe, e o trabalho contínuo que dali parte, infindável e exaustivo, dependente destes que apenas buscam seguir em frente, buscam um lugar, buscam alguém ou então se tornar.
A existência é questionada numa obra que busca por uma razão de ser, que busca nas memórias um sentido para estar, ser presente, Arábia tenta validar que os esquecidos também merecem um lugar na história, em companhia de nossas memórias. Vagando por um deserto de vasta solidão, a figura ali talvez não esteja mais sozinha. Com certeza, será lembrada.
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