“Ambulância – Um Dia de Crime” (“Ambulance”, 2022); Direção: Michael Bay; Roteiro: Chris Fedak; Elenco: Jake Gyllenhaal, Yahya Abdul-Mateen II, Eiza González, Garret Dillahunt, Jackson White, Moses Ingram, A Martinez; Duração: 136 minutos; Gênero: Ação, Drama, Policia, Thriller; Produção: Michael Bay, Bradley J. Fischer, James Vanderbilt, William Sherak, Ian Bryce; País: Estados Unidos; Distribuição: Universal Pictures; Estreia no Brasil: 24 de Março de 2022;
O cinema de Michael Bay tem suas características específicas e muito bem difundidas, porém sempre com uma repercussão negativa. Sua megalomania que avassala qualquer possibilidade de uma coesão, muitas vezes, se faz sentir e pesar nesse sentido mais crítico, é verdade. É algo que se tornou ainda mais evidente a cada novo capítulo da franquia “Transformers” que o diretor comandava. Ali, porém, pouco importava a narrativa, infelizmente, e os fiapos de história davam lugar a ideias e execuções cada vez mais exageradas e afetadas de Michael Bay. É impossível tirar dele o que se tem quase que literalmente como marca registrada. É inegável, também, que em um outro momento tudo isso pode muito bem funcionar e, mesmo que vícios da carreira do diretor ainda se façam muito presentes aqui, “Ambulância – Um Dia de Crime” eleva essa possibilidade a potência máxima. O resultado é um thriller policial sustentado por esteroides, bem ao estilo Bay, mas tão inspirado e investido em seus personagens e sua história que, uma vez embarcando na ideia, é difícil não se deixar ser tocado, de alguma forma, por um filme que é sincero em suas ideias e consegue, ainda que de maneira meio desengonçada, justapor a sua execução megalomaníaca.
Os personagens que Michael Bay nos apresenta estão sempre em seus limites, nos limites de seus estereótipos, mas há uma honestidade na forma como Bay os encara e os enquadra que os tornam, ironicamente, em figuras interessantes de se acompanhar. Jake Gyllenhaal é quem melhor entende isso tudo e abraça seu personagem com graciosidade, se diverte no papel de Danny e, em contrapartida, diverte o espectador. Suas “explosões” e seus acessos de raiva são puro entretenimento, e é visível em suas feições como ele está entregue ao que o diretor deseja dele. E funciona. Cria-se um antagonista muito condizente ao que é o filme e ao que “Ambulância – Um Dia de Crime” tem de melhor. Ainda mais quando justaposto, não coincidentemente, ao personagem de Yahya Abdul-Mateen II (“Matrix Resurrections“). O importante é que Yahya consegue muito bem balancear e antagonizar Gyllenhaal, cuja personagens são irmãos no filme. O conflito gerado entre ambos, tanto personagens como atores, ecoam tão bem com os temas maiores explorados pelo filme que algumas das interações de ambos são realmente marcantes. Por fim, Eiza Gonzáles traz ao filme, assim como sua personagem, um contraponto interessante aos irmãos interpretados por Yahya e Gyllenhall. Sempre sob controle e com uma certa frieza, requerida por seu trabalho.
Não me entenda errado, é tudo muito simples. Até clichê. Porém, é completamente efetivo. Essas três figuras e o escalonamento da tensão entre a breve convivência deles em paralelo a intensificação da perseguição policial é algo que ocorre de forma muito natural e orgânica. Também irônico, visto o que Michael Bay tenta implementar em “Ambulância – Um Dia de Crime”. Para a câmera em si, Bay entende que nunca deve haver qualquer calmaria, seus enquadramentos sempre envolvem algum movimento. Aqui isso é elevado a décima potência, com a utilização de drones e uma tecnologia específica que captam a perseguição policial de maneira completamente dinâmica. É imersivo, para dizer o mínimo. O grosso da ação caótica que marcam os filmes do diretor, beirando algum descuido em dados momentos, estão ali, mas é tudo tão sinérgico que como espectador você pega carona com os protagonistas. A simples aceitação do que propõe Michael Bay, no entanto, te permite a algo mais. Há beleza no caos aqui apresentado, e talvez porque o coração do cineasta está também entregue em cena. A declaração de amor que o filme se faz é óbvia desde o letreiro no começo, quando se destacam as iniciais de Los Angeles e se mesclam ao título do filme.
Tanto o início como o final de “Ambulância – Um Dia de Crime” são o epítome disso. Todas as explosões, capotagens, tiroteios e órgãos implodidos são uma mera fachada para o que mais importa à Michael Bay: Los Angeles e seus cidadãos. À sua forma, o diretor tenta humanizar seus personagens e seu cinema, tenta trazer uma sensibilidade em sua abordagem. Pode muito bem ser cafona e brega, mas dentro dessa proposta, funciona. E funciona porque há coração, metaforicamente falando no caso, de sobra no filme. Percebe-se a inspiração e recebe-se nada além do que é preciso para se envolver nas pouco mais de duas horas de filme. É muito perceptível o que se quer enaltecer, mas também se vai um pouco além. Até através da trilha sonora se faz essa leitura, a forma como determinados acordes vão aos poucos ganhando a cena e guiando o filme. É uma visão muito peculiar, mas por que não válida? É recheado de idealismo e heroísmo, porém é também tão somente sobre mais um outro dia qualquer em Los Angeles. Se é que é só mais um dia como qualquer outro. Porque Michael Bay claramente se mostra capaz de ressignificar isso em um ato heroico, ou até mesmo o que é ser heroico. Se alguma vez houve algo de poético no cinema “Bayhem”, seu ápice é provavelmente este.
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