Penny Dreadful (3ª Temporada)

(Showtime, 2014-2016)

Direção: Damon Thomas, Toa Fraser, Paco Cabezas

Roteiro: John Logan, Andrew Hinderaker, Krysty Wilson-Cairns

Elenco: Eva Green, Rory Kinnear, Josh Hartnett, Billie Piper, Timothy Dalton, Harry Treadaway, Patti LuPone, Wes Studi, Sarah Greene, Douglas Hodge, Simon Russell Beale, Shazad Latif, Christian Camargo, Perdita Weeks, Samuel Barnett, Brian Cox, Cokey Falkow

Número de Episódios: 09 episódios

Período de Exibição: 01 de Maio a 19 de Junho de 2016

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O texto contém spoilers.

Penny Dreadful foi anunciada trazendo dois grandes atrativos. Posterior ao sucesso, de público e crítica, conquistados com 007 – Operação Skyfall (Skyfall), diretor e roteirista embarcavam em um projeto para a televisão. Sam Mendes, a bem da verdade, parece ter somente emprestado seu nome para a série alçar voo. John Logan, no entanto, além de idealizar a série, a roteirizou quase que completamente sozinho. E também quase como uma surpresa, afinal a média de 600 mil espectadores sempre foi uma ameaça, o final chega e deixa claro que Penny Dreadful foi uma das mais bem-vindas atrações da televisão nos últimos anos, encerrando-se com justiça aos grandes autores que a inspiraram.

Depois dos acontecimentos no ano anterior, todos os personagens se encontram à deriva, cada um em sua própria busca e com seus próprios demônios, sem pressa alguma de lidar com eles. Cada um, também, parece coincidentemente ser convocado (o chamado do herói) por alguém, para que se faça algo em prol da sua situação. Assim, Malcom (Timothy Dalton) se junta a Kaetenay (Wes Studi), um estranho aliado, para auxiliar Ethan Chandler (Josh Hartnett) que, por sua vez, se une a Hecate Poole (Sarah Greene) no que pode ser um caminho sem volta, não só para ele, mas para o mundo dos humanos.

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Essa é uma das principais tramas da temporada de Penny Dreadful, no entanto, é do outro lado do Oceano Atlântico que o âmago da série fala mais alto. Nos personagens de Rory Kinnear, Billie Piper, Harry Treadaway, Reeve Carney e Eva Green, mesmo que a interação entre estes, por si só, de fato não venha a acontecer em relação a todos. Fica claro, também, que a trama envolvendo um exército feminista de Dorian Grey e, principalmente, Brona Croft/Lily é a mais fraca da temporada, porque destoa do restante e, não exatamente, colabora com as outras tramas. É quase que completamente paralela, seria mais ainda, não fosse o tema que ali John Logan explora escancaradamente.

Um adendo surge, na forma de dúvida. A trama de Brona Croft e Dorian Grey, assim como a introdução de Catriona Hartdegen (Perdita Weeks), parecia ser algo a ser estendido para temporadas posteriores, o que dá a impressão de que a Showtime cancelou Penny Dreadful durante a produção. Assim, a trama do “exército feminista” acaba sendo em vão, quase que completamente. Não o é justamente pelo mesmo motivo da presença de Catriona, pelo mesmo motivo que Brona faz um discurso estupendo no penúltimo episódio, com uma atuação irretocável de Billie Piper. É John Logan dando voz ao feminismo, trabalhando com a problemática que se tem em relação ao assunto, e desenvolvendo personagens femininas de dar inveja a outros roteiristas.

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Essa sensação, de que personagens ainda teriam participações maiores em possíveis temporadas futuras, sintetizam-se na introdução do Dr. Henry Jekyll (Shazad Latif), que somente ao final da série recebe a sua nova alcunha, a dupla personalidade à qual ele confronta no livro O Médico e o Monstro (Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde), de Robert Louis Stevenson, lançado em 1886. É ainda mais evidente uma vontade de se aprofundar no assunto quando as consequências dos estudos de Henry Jekyll interessam, além de Frankenstein (Harry Treadaway), à boa parte dos outros personagens centrais na série. O que ela faria, por exemplo, a Ethan Chandler?

Personagem esse que trouxe uma nova faceta à Penny Dreadful, no Velho-Oeste norte-americano. Se na Londres Vitoriana Jonh Logan sabia muito bem trabalhar um universo místico, embebido em referências históricas faz semelhante, senão mais interessante, com o lado Western que é o habitat natural de Ethan Chandler. Não bastasse a beleza das cenas lá situadas e as claras homenagens a grandes nomes do cinema, Penny Dreaful ainda introduz uma trama complexa, na relação entre pais e filhos, e que consegue não somente uma carga emocional, mas algumas das melhores sequências em toda a série.

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Mas mesmo ali, do outro lado do Oceano, parece existir algo em relação ao qual todo aquele mundo gira em torno. Não à toa, afinal, John Logan sabe o quão forte a personagem de Vanessa Ives (Eva Green) e o quanto a presença dela nas tramas faz a diferença. O domínio e a consciência sobre o material que tem em mãos é essencial para Penny Dreadful, que consegue resgatar, de um dos seus melhores episódios, a personagem de Patti LuPone, assim como a atriz, que retorna não só reforçando a variedade de fortes personagens femininas, mas servindo como um chamariz, acompanhado de uma atuação cativante, que dão a oportunidade de desenvolver Vanessa Ives de maneira magistral.

Eva Green tem um episódio que é quase que todo para si. Em A Blade of Grass, quarto episódio desta última temporada, somos levados, praticamente de forma literal, à mente da personagem de Eva Green. Os visuais do episódio dirigido por Toa Fraser, na forma como se desenvolvem em um pequeno cômodo, são meros coadjuvantes para a atuação da atriz. Ali a personagem é eviscerada, seu sofrimento e suas mágoas são expostas e trabalhadas, como numa sessão de terapia, de maneira que se encaixam não somente como uma chave para a compreensão da temporada, mas da série no todo.

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Dos melhores personagens que têm em mãos, John Logan os encontra na Vanessa Ives de Eva Green e no John Claire de Rory Kinnear. Justamente os dois que dividem o quarto por boa parte de A Blade of Grass, o que não é um acaso. O que acontece porque o texto de Mary Shelley, publicado na segunda década do século XIX, ainda exerce tamanha influência e poder que compreende a vida de maneira singular, quase que inigualada até os tempos modernos. John Claire e Vanessa Ives vivem o que é, praticamente, um romance platônico, um romance ideal. Sem a consumação no campo físico, mas correspondente no campo mental. Uma paixão intelectual.

Uma das possíveis interpretações do livro de Shelley é o quanto a relação paternal influência na vida cotidiana, em ambos os sentidos. Porém, com John Logan o caso que nos é apresentado não está somente naquele do mundo humano, mas também idílico. No qual Deus, o grande criador, é uma presença irrevogável. Entretanto, assim como Frankenstein, Ele também abriu mão de entender à própria criação. Talvez porque, compreender ao que criou, seria compreender a si próprio. O ato de John Claire para com seu filho é fruto da provação pela qual ele precisou passar, compreendendo sua situação, e a si próprio, o que ocorre somente após conhecer Vanessa Ives. Esta que compreendeu, não só a si mesma, mas a própria trágica faceta da vida. O desconhecido, o marginal, jamais a deixariam em paz, porque os opostos não só não sabem como obtê-la, mas temem uma convivência. A busca incessante pela felicidade traz no sacrifício, tanto alheio como próprio, a desgraça. A tragédia é sonhar, sem deixar viver.

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