O diretor inglês Terence Davies nunca foi um realizador de obras muito palpáveis ao grande público. De ritmo lento, quase teatral, num tom episódico, variando em momentos de grandes diálogos a de profundo silêncio, “Além das Palavras”, seu novo longa-metragem, tem como objetivo retratar a poeta norte-americana Emily Dickinson de forma intimista. Para Davies, mais vale entende-la do que contar sua história de vida. Justamente por isso, é uma filme biográfico nem um pouco convencional, entretanto nos apresenta um olhar singular a uma figura tão vasta quando a poeta, refém dos valores arcaicos patriarcais, obrigado à submissão católica e com anseio de se libertar daquele meio ao qual a sufoca. Dickinson é retratada como uma mulher à frente do seu tempo, sobretudo por bota em evidência a questão da existência de Deus, apesar da mesma ter fé no mesmo, ela acha necessário o pensamento crítico entorno disso, algo considerado um tabu na época e é refutado pela própria família.

É uma experiência desafiadora pelo filme tentar transpor muito dos poemas de Dickinson (Cynthia Nixon) de forma experimental, muitos podem não sentir nada com essa cenas, porém quem aceitar a sensibilidade proposta pelo diretor se depara com obras literárias expondo conflito de uma mulher que não aguenta mais aquele ambiente tão conservador, limitando sua liberdade e querendo ditar suas decisões de vida. Outro ponto a ser tratado é como Dickinson fora rejeitada como escritora pelo simples fato de ser mulher, algo totalmente impensável nos dias de hoje, porém ainda com certo preconceito escondido de setores que menosprezam as mulheres veladamente, seja com salários diferenciados para os sexos ou até mesmo menos espaço para elas.

A fotografia de Florian Hoffmeister é o principal ponto da cinebiografia, por ter ampla relevância narrativa, por expressar não só o momento ao qual a poeta passa, mas também seus sentimentos, tentando servir de uma fuga aquele ambiente tão hostil – que ironicamente é a própria casa da personagem. O trabalho da fotografia é absolutamente exaltante por demonstrar a solidão da personagem, seu anseio por paixão, por uma nova cor na própria vida e a negativa por parte da sua família. O trabalho de Cynthia Nixon é minucioso, não há muitos momentos de exaltação, ela trabalha com suavidade e altivez, demonstrando uma mulher que tenta passar a imagem de sobrevida, contudo está enlutada por dentro, sofrendo a dor da incompreensão.

Um filme que poderia servir mais como uma ode pela liberdade feminina e pela expressão do gênero do que, em si, uma cinebiografia. No entanto, Davies não esquece da figura abordada e intercala a narrativa com a leitura literal dos poemas escritos por Dickinson, um recurso que apesar de belo –pela essência dos textos – passa a ter um didatismo contraditório com a temática central do longa. Apesar disso, “Além das Palavras” funciona como um belo retrato de como não devemos nos curvar perante dogmas cerceadores, lutar por liberdade e representatividade, tornando movimentos feministas fundamentais para a mudança da sociedade, ainda refém, infelizmente, de correntes conservadoras que persistem em resistir.

 

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