“Chão” é um documentário que se apresenta em um momento fundamental dado o cenário político que se construiu no Brasil, com um desgoverno de políticas populares e o desmonte do Ministério do Meio Ambiente visando o privilégio das grandes corporações sem quaisquer pudores quanto as consequências da destruição do meio ambiente e do risco diário oferecido a saúde dos habitantes de toda uma nação. No entanto, a visão de Camila Freitas é tão objetiva e esclarecida que é um filme em tese apartidário, não que seja problema algum se apresentar da maneira contrária, mas o olhar lançado sobre essas histórias de integrantes do Movimento Sem Terra é de uma lucidez arrebatadora, pronta para fazer um relato da mais árdua luta em prol da sobrevivência de uma pátria, que respira apor aparelhos, estes sustentados justamente por quem há tanto tempo é pintado como vilão. Afinal, por quantas vezes se viu uma menção sincera ao importante trabalho empregado pelo MST no Brasil? Até aqui o filme se mostra hábil, agraciado também pela teatralidade patética de integrantes da mídia a quem pouco ou nada interessa os fatos, que desmentem a olhos nus uma narrativa fantasiosa, vendida sem qualquer critério e de forma amoral ao público.
Mas a clareza de Camila também se apresenta como uma via de duas mãos, pois, ainda que seja “Chão” um filme indubitavelmente instrutivo, sua virtude tem também um saldo negativo, fazendo com que o filme acabe por soar até mais didático do que de fato é. Existem momentos e momentos, ora é uma pessoalidade encantadora, que arrebata com a história de seus protagonistas, ora é uma conversação para lá de burocrática, que não chega a ser o “juridiques” para enfeitar o descumprimento da lei por parte do governo, que deixa de cobrar dívidas bilionárias. É um filme que têm todos os acessos que precisa, mas peca justamente por não conseguir acesso a estas histórias de forma as torná-las pessoais, ou até mesmo imprescindíveis ao espectador. O olhar de Camila é tão preciso que por boa parte do filme passamos invariáveis, quase abandonados por histórias que passam incompletas. Por isso mesmo momentos como os de abertura e encerramento de “Chão” são seus mais catárticos, não por um apelo emocional qualquer, mas porque é neles que sua realizadora demonstra uma habilidade exímia nas ferramentas do cinema para se comunicar. Construindo histórias pessoais e relacionáveis a partir de anseios, de uma simplicidade que soa rebuscada.
Um passo de cada vez, aos poucos se constrói um sonho. E o paralelo que Camila traça imagéticamenre para uma de suas protagonistas parece englobar o que há de mais essencial em seu filme. A verdade sobre a pátria que se diz amada por outrem é aqui onde encontra sua verdadeira casa, seu verdadeiro amor. Uma prova diária de resistência que sustenta os pilares de uma sociedade que é vista sob um frágil véu de ilusão. Mais do que nunca “Chão” se faz um dos filmes e documentários mais importantes do período o qual vivemos, mesmo estando aquém de todo o potencial que ali se constrói, é ainda assim um filme essencial, que deixa claro que nossa única saída é lutar, lutar e resistir. Mais do que nunca, porém, sabemos que não estamos sós, contudo, precisamos estar atentos e alertas para o banho de sangue que almeja o atual governo, que nenhum interesse tem em preservar aquilo que mais importa ao país, à pátria, a história desses sonhos que resistem por anos afim de se tornar uma realidade que viabiliza a nossa própria existência dentro de um padrão de vida minimamente saudável. O Movimento Sem Terra resiste!