Poderia Me Perdoar? (Can You Ever Forgive Me?, 2018); Direção: Marielle Heller; Roteiro: Nicole Holofcener e Jeff Whitty; Elenco: Melissa McCarthy, Richard E. Grant, Dolly Wells, Ben Falcone, Gregory Korostishevsky, Jane Curtin, Stephen Spinella, Christian Navarro; Duração: 107 minutos; Gênero: Biografia, Comédia, Drama; Produção: Anne Carey, Amy Nauiokas, David Yarnell; País: Estados Unidos; Distribuição: Fox Film do Brasil; Estreia no Brasil: 14 de Fevereiro de 2019;
Apesar da rentabilidade, há um grande preconceito – bastante elitista, diga-se – com o gênero comédia. Os atores e atrizes que ascendem decorrente desse gênero dificilmente são levados a sério pela indústria, até nomes dos mais célebres, ainda que encarando papéis dramáticos, tem dificuldade em receber os devidos louros, caso, por exemplo, de Jim Carrey, nunca nomeado ao Oscar. Melissa McCarthy é uma das comediantes mais lucrativas dessa nova leva, apesar de encarar projetos de gosto duvidoso, é extremamente carismática, além de ser uma mulher gorda, o que aumenta ainda mais os rótulos aos quais ela enfrenta. Eu confesso ter duvidado da capacidade dramática dela para encarar um filme tão sóbrio e fora dos padrões usuais dos projetos dela quanto “Poderia Me Perdoar?“. Contudo, realmente McCarthy demonstra ser uma estrela versátil, tendo muito a oferecer.
McCarthy não está sozinha, ela é auxiliada por um grande roteiro e uma direção eficiente, reconhecendo seu potencial. A cereja do bolo é seu companheiro de cena, Richard E. Grant (“Logan“), ainda que ele roube a cena quando aparece, a química e carisma da dupla é de encher a tela e os olhos. O melhor de tudo é se tratar de um filme dirigido e escrito por mulheres, protagonizado por uma mulher fora dos padrões. O longa é um caso real: nada parece dar certo para escritora Lee Israel (McCarthy), enfrentando dificuldades econômicas, crise criativa e fobia social. Ela adentra no mercado de venda de cartas de celebridades famosas falecidas, como Katharine Hepburn e Dorothy Parker, porém forjando os itens e ludibriando várias casas de colecionadores. Em dado momento, ela conhece Jack Hock (E. Grant) e inicia uma grande amizade, inclusive nos trambiques, fazendo Lee ousar ainda mais nos golpes, chegando a roubar cartas de bibliotecas famosas.
O roteiro escrito por Nicole Holofcener (diretora de “Gente de Bem”, da Netflix) e Jeff Whitty é assertivo em construir uma personagem completamente misantrópica, não querendo conquistar o público com carisma. Dá para esperar o pior da Lee Israel do filme, desde o início. Não caminha nos artifícios comuns nesse tipo de filme, no qual há uma redenção esperando um personagem assim. Ao contrário, ela vai decaindo moralmente sem pouco se importar com as consequências. O oposto dela é Jack, aquele trambiqueiro carismático e encantador, despertando o pior na sua amiga. A química e dinâmica dos dois é o ponto forte do filme, quando ambos estão em tela é um show, pelos diálogos ácidos e inventivos e pela atuação bárbara desses atores.
Eu confesso ter ressalvar quanto as chances de McCarthy no Oscar de atriz, visto se tratar de um ano tão competitivo e o preconceito comum em atrizes de comédia fazendo papéis dramáticos. Contudo, seria hipócrita indicar apenas um membro do elenco, visto se tratar de performances complementares. O carisma de E. Grant se mistura ao amargor de McCarthy, soando uma mistura ótima. A diretora Marielle Heller (“Casual“) dirige com primor seu elenco, ainda que capengue na construção de um clímax, sobretudo a usar e abusar de uma trilha sonora maçante e cafona. Heller, entretanto, sai bem em conseguir extrair o cerne do roteiro: como duas pessoas rejeitadas pelo mundo, odiáveis aos olhos comuns, conseguem construir seu próprio mundo e achar a felicidade. As questões morais ficam por conta do espectador, sem panfletos, tentando compreender as figuras retratadas, por piores que sejam.
Divertido e eloquente, rende bastante debates, mas sobretudo rende risadas. “Poderia Me Perdoar?” pode não ser o longa mais marcante da temporada, contudo é uma junção de tanta competência e charme, chega ser difícil não se render e torcer pelos trambiques de McCarthy e E. Grant. E um Oscar não seria nada mal…
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