A Noite Amarela (2019); Direção: Ramon Porto Mota; Roteiro: Jhésus Tribuzi, Ramon Porto Mota; Elenco: Rana Sui, Ana Rita Gurgel, Caio Richard, Clara Pinheiro, Felipe Espíndola, Marina Alencar, Matheus Martins, Fernando Teixeira; Duração: 102 minutos; Gênero: Terror; Produção: Mariah Benaglia, Rodolpho de Barros, Ramon Porto Mota; País: Brasil; Distribuição: Vitrine Filmes; Estreia no Brasil: 10 de Outubro de 2019;
Não apenas se tornou comum, mas também se popularizou na metade final desta década, uma insurgência de filmes de terror que fogem da gratuidade do jump scare e, ao invés de oferecer uma recompensa imediata e insignificante, dão ao espectador algo para, de fato, levarem consigo para casa. Assim como também não é preciso apelar ao gore ou slasher para se adequar ao gênero. Se a onda fora do país virou um sucesso, só neste ano nos rendendo filmes como “Nós” e “Midsommar – O Mal Não Espera a Noite”, agora é a vez também do Brasil experimentar num cenário em que se corre riscos.
“A Noite Amarela” se vende assim, como um terror. Como se revela cada vez mais assim, em suas especificidades, é uma parte integral da obra. É bem verdade que o diretor Ramon Porto Mota tenta instilar desde o início essa sensação, instaurando uma tensão. Num primeiro momento é muito didática, e não completamente acertada, mas não por questão de uma única escolha e, sim, porque nem todos os elementos funcionam logo de cara, alguns nem mesmo durante todo o decorrer do filme, outros se tornam mais compreensíveis, condizentes com as intenções, enquanto alguns outros ainda apenas fluem de outra maneira em dado momento.
A princípio soa tudo muito engessado, falta ao roteiro um tom mais orgânico na hora de nos apresentar aos personagens, pendendo a uma verborragia que não só é didática, mas também age de maneira expositiva. É uma forma de estabelecer certas coisas desde o início, entretanto, com tanto tempo pela frente ainda, “A Noite Amarela” apenas posterga as coisas que realmente tem a intenção de trabalhar. Assim, se alonga por um pouco mais do que devia, ainda que, no fim das contas, não faça uma enorme diferença. Fato é que, com isto, apenas intensificaria a experiência indo direto ao ponto.
Contudo, são coisas bem diferentes aparar arestas de um roteiro que comete tais deslizes e o ritmo no qual o filme se desenvolve. Aqui um não influencia o outro, e a maneira como o mistério vai se desenvolvendo é extremamente funcional, por isso mesmo um começo menos afogado faria tudo ali soar mais orgânico. Na primeira meia hora de filme são poucos os momentos que realmente se salvam na memória, visto que é a partir dali que a trama principal e, portanto, a mais intrigante, começa a se desenrolar a toda vapor, dentro do ritmo que seu realizador escolhe com grande felicidade.
O que falta ao roteiro em muitos momentos, também, é a capacidade de um elenco que lhe dê uma característica mais orgânica mesmo, onde se flui e personagens agem com mais naturalidade, um trabalho proveniente dos atores. Existem dois momentos extremamente espontâneos no filme; o primeiro quando o grupo se reúne para beber; o outro é quando somos apresentados às fotos retiradas do grupo de adolescentes que protagoniza o filme. Este último, no entanto, soa completamente destoante de muito do restante, a naturalidade de tais momentos é de uma leveza refrescante dentro do que se havia assistido até então.
Um grande trunfo de “A Noite Amarela” é que quem toma para si o protagonismo consegue fazer exatamente aquilo que é a intenção do filme. O grupo de adolescentes que o filme acompanha fica muito aquém do que poderia, alguns dos nomes em seus primeiros trabalhos, o que não surpreende que um ou outro ator não esteja completamente à vontade em cena. A Carina de Rana Sui, entretanto, é capaz de dizer muito, mesmo com tão poucas palavras durante o filme, com a atriz muito focada e entregue no misticismo local que acaba por atrair sua personagem. Destaque também para Ana Rita Gurgel, que, durante o clímax do filme, potencializa muito a tensão com um leque de expressões para lá de convincente.
Se tais elementos, portanto, não funcionam sempre como o desejado, há uma execução por trás das câmeras que segura e constrói muito do que é o filme. Porto Mota consegue estabelecer muito bem a tensão desejada, trabalhando num ambiente extremamente propício para explorar suas ideias. É bem verdade que existem diversas limitações técnicas, mas como as incorpora e utiliza a seu favor é o que torna possível todo o mistério ali ser tão envolvente ao público. Lúdico em diversos momentos, “A Noite Amarela” também constrói um discurso sobre comunicação, expectativa e percepção do subjetivo, algo que pode passar despercebido, ou assim fazer parecer… A reação à cena final, êxtase ou frustração, vai de cada um, e há uma riqueza impressionante aqui, felizmente!