Era Uma Vez em… Hollywood (Once Upon a Time… in Hollywood, 2019); Direção: Quentin Tarantino; Roteiro: Quentin Tarantino; Elenco: Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie, Emile Hirsch, Margaret Qualley, Timothy Olyphant, Austin Butler, Dakota Fanning, Bruce Dern, Al Pacino; Duração: 161 minutos; Gênero: Comédia, Drama; Produção: David Heyman, Shannon McIntosh, Quentin Tarantino; País: Estados Unidos; Distribuição: Sony Pictures; Estreia no Brasil: 15 de Agosto de 2019;
Se fosse, de fato, o último filme de Quentin Tarantino (“Os Oito Odiados“), não podia ser mais clara sua intenção com “Era Uma vez em… Hollywood”. Se há melhor forma de definir seu nono filme como uma declaração de amor às produções hollywoodianas dos anos 60 e 70, com as quais o diretor entrou em contato quando crescia, desconheço. Por mais que Tarantino, ao longo de sua carreira, tenha constantemente exaltado suas referências e sua formação baseada na sua cinefilia, aqui é um tanto diferente, é um contato mais direto e um olhar sobre um aspecto diferente, que até mesmo faz surtir efeito no cinema de seu próprio realizador.
É um tanto quanto estranho, por estarmos acostumados com a maneira tão autoral de Tarantino, a forma como ele desenvolve muito de seu filme. São tempos, batidas, ritmos diferentes. Não exatamente sofisticados no todo, mas intercalados em alguns momentos, nos contrapontos que estabelece entre seus personagens. Assim, a maneira crescente como se constrói a tensão dos conflitos tem uma certa cadência que é um pouco incomum, porém, que em um espectro funciona muito bem, condizente com aquilo que deseja explorar através dessas figuras que ganham vida na tela e a quem Tarantino encara de forma tão respeitosa e carinhosamente. Quase um completo oposto do sentimento que geralmente impera em seus filmes.
Chega a ser chocante a maneira como diálogos são raramente verborrágicos em “Era Uma Vez em… Hollywood”, dando lugar ora a conversas mais espaçadas, com algum espaço para uma reflexão maior dos próprios personagens, ora em silêncios que contemplam o momento. Soa clichê, é bem verdade, mas não é assim. É como Tarantino explora, de um lado, a decadência de uma era e, do outro, a ascensão de uma nova leva de talentos, que forçam uma mudança no cenário hollywoodiano, ainda que saibamos que o destino de uma das personagens seja um dos mais trágicos envolvendo as estrelas do cinema.
Outro interesse de Tarantino é promover esse encontro de duas realidades diferentes, que não ocorreu fora do espaço diegético pela maneira como a vida de Sharon Tate, aqui interpretada por Margot Robbie (“Eu, Tonya“), foi encerrada precocemente. Dessa forma, Robbie transita pelo filme como uma transeunte passageira, mas fundamental. Deslumbrada e deslumbrando constantemente ao espectador, em um respiro que dá fôlego ao filme e retrata os primeiros passos de uma estrela, algo que o contraponto, protagonista do filme, já nem mais tem noção do que é. Por isso mesmo um estranhamento tão grande e proposital. Algo que já foi e não se sabe mais.
A dobradinha Leonardo DiCaprio e Brad Pitt é, no entanto, o grande atrativo. Ambos dividem o protagonismo na tela, na narrativa de Tarantino, ainda que seus personagens tenham bem explícita essa divisão entre protagonista e coadjuvante em suas vidas, como um ator famoso e seu dublê-quebra-galhos. Juntos os dois atores constroem em cena uma parceria divertida de se assistir. Porém, cada um deles tem seu grande momento, e diferente de tudo “tarantinesco”, não é na violência por si, ao menos não na violência gráfica e sanguinária do cineasta. É visceral, mas constituída por outros elementos, quase que uma brincadeira proposta pelo realizador.
É quando Tarantino quebra paradigmas e explora em “Era Uma Vez em… Hollywood” ora uma metalinguagem, ora uma construção de tensão diegética, ainda que ambígua. Nesses momentos temos a totalidade para compreender o quão sob controle quase tudo ali está. A quebra do personagem interpretado por Rick Dalton que, por sua vez, é interpretado por DiCaprio, é uma consumação da execução à excelência, no caso, da direção de Tarantino e da atuação de DiCaprio. O mesmo de Tarantino pode ser percebido quando um inspirado Brad Pitt adentra ao rancho em uma visita aos hippies, numa crescente tensão digna dos melhores momentos na carreira do diretor.
Contudo, “Era Uma Vez em… Hollywood” por vezes desanda. Por mais que funcione de forma diferente na carreira de Tarantino, ainda há ali uma verborragia, quando, por exemplo, uma enxurrada de músicas é utilizada como transição e sem o mínimo critério, é uma completa confusão. O que chega a ser irônico, visto que a montagem faz as quase três horas de filme fluírem com certa graciosidade. O que pega é que algumas das tramas, mesmo que servindo de contraponto, acabam narrativamente espaçadas demais umas das outras, e essa relação acaba se tornando muito subjetiva, numa tentativa de se corrigir isso através de uma narração que surge e parte de cena sem a menor lógica. Tudo porque a intenção de construir o que deseja não funciona por completa, quando, ao tentar fazer o seu “Um Lugar Qualquer” (“Somewhere”) -filme que o júri do Festival de Cannes presidido pelo cineasta agraciou com o prêmio máximo em 2010-, Quentin Tarantino sucumbe aos seus próprios conflitos pessoais.
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