“Barbie” (2023); Direção: Greta Gerwig; Roteiro: Greta Gerwig & Noah Baumbach; Elenco: Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera, Kate McKinnon, Issa Era, Rhea Perlman, Will Ferrell, Helen Mirren, Simu Liu, Kingsley Ben-Adir, Emma Mackey, Ariana Greenblatt, Michael Cera; Duração: 114 minutos; Gênero: Drama, Comédia; Produção: David Heyman, Margot Robbie, Tom Ackerley, Robbie Brenner; País: Estados Unidos; Distribuição: Warner Bros. Pictures; Estreia no Brasil: 20 de Julho de 2023;
Dos grandes estúdios de Hollywood talvez o que mais aposte em ideias originais de cineastas, num cinema autoral de maior custo, é a Warner. Por isso, mesmo em meio a um período de transição preocupante, que coloca em xeque tudo o que um dia foi o estúdio, não surpreende um filme como “Barbie” ser realizado por alguém com um olhar tão autoral como Greta Gerwig (“Lady Bird”, “Adoráveis Mulheres”). Não nos enganemos, porém, o live-action da boneca mais famosa do mundo não deixar de ser um produto em momento algum, quase que praticamente tudo em cena não só pode como deve ser comercializado de alguma forma. E o filme já é um fenômeno viral na internet por si só antes mesmo de estrear nos cinemas. Ela é o momento, e o produto já foi vendido de uma forma ou de outra. A esperança, desde o início, era que com os nomes de Gerwig no comando e Margot Robbie (“Aves de Rapina”) também como produtora, além de protagonista, houvesse não exatamente uma crítica, mas uma autoconsciência sobre tudo que representa a figura feminina desta boneca. É quase impossível se desatar por completo do capitalismo, e “Barbie” é tudo que há de bom que possa se tirar de uma reflexão entre as obrigações de ser um produto e, simultaneamente, uma desconstrução feminista da personagem.
O que a princípio pode parecer simples, não exatamente assim o é. No entanto, Greta Gerwig e seu marido Noah Baumbach, que co-escrevem o roteiro do filme, optam em “Barbie” por uma abordagem que soa de tal maneira, com uma história que já vimos diversas vezes antes. O que podia acabar monótono, porém, é resolvido através de escolhas que denotam uma autoconsciência capaz de estabelecer um tom que envolva de imediato o espectador. Não é apenas não se levar a sério, até porque não é exatamente isso que o filme faz. Há sim, afinal, uma crítica muito pungente e várias outras lições de moral presentes, muitas as quais o próprio filme faz questão de tornar claras. É esse tipo de escolha que potencializa a narrativa de “Barbie”, com uma pegada lúdica que funciona desde o primeiro segundo e não só entretém, mas comunica diversas ideias sobre as quais Gerwig e Robbie querem se debruçar através das personagens. Isso é a chave para o mundo colorido da protagonista ganhar vida e funcionar tão bem como acontece aqui, porque as mentes responsáveis pela realização do filme constroem algo com tanto carinho e sensibilidade, além de óbvia extrema competência. O resultado, como diriam alguns, é sublime!
Um dos pontos importantes a se notar é que mesmo tendo que se dirigir a um público mais infantil, por isso o funcionamento do lúdico é fundamental, “Barbie” consegue sempre se manter inteligente. É uma ambiguidade similar ao do extraordinário “Paddington 2”, um filme raro e mágico. As piadas fazem sentido, as cores ganham vida para além de somente chamar a atenção. Há um sentido naquilo que estamos vendo e parte completamente da equipe que Greta Gerwig reúne para realizar seu filme. A forma que o diretor de fotografia Rodrigo Prieto encontra junto da cineasta para contar a história é belíssimo, sempre reforçando todos os detalhes que tornam o cenário do filme, tanto mundo real como ficcional, numa história envolvente e rica numa construção de universo, mesmo dentro das limitações que nossa boneca protagonista vive. Cenicamente, “Barbie” é deslumbrante na forma como traz à vida real toda a história de uma figura que perdura no imaginário coletivo há tanto tempo. Longe de ser apenas uma vitrine para venda de brinquedos, o cenário que compõe o filme de Gerwig tem vida e fundamenta a narrativa, ela usa o produto em prol disso, numa pegada que é puro sarcasmo e uma sacada pra lá de inteligente.
Não surpreende porque o cinema de Greta Gerwig já se mostrou relevante e singular desde o primeiro grande ato, encantando com sua capacidade de injetar em suas histórias algo que consegue tocar profundamente o espectador. E com “Barbie” não é diferente, com destaque para as atuações de Margot Robbie e Ryan Gosling. Talvez as escolhas mais perfeitas para Barbie e Ken, os dois entregam um trabalho recheado de nuances e que se espaçam entre a capacidade de fazer gargalhar e arrancar lágrimas a qualquer momento. O conteúdo que ambos recebem para suas atuações é essencial, mas, em contrapartida, é também a atuação de cada um dos dois que retribuí a altura. Uma sinergia que também é vista com Will Ferrell, completo alívio cômico do filme, mas que funciona à perfeição, assim como a hilária participação de Michael Cera. Na verdade, Gerwig tira de todo seu elenco, em algum momento, uma cena marcante. É assombroso! “Barbie” é, sim, um produto, quase como qualquer outro filme, e com certeza quer capitalizar o máximo possível para a marca da Mattel. Contudo, a consciência e a consistência da qualidade com a qual nos deparamos aqui vai muito além disso. Não é só divertir, mas fazer-nos sentir bem e, mais, mexer conosco de alguma forma. Em meio a toda plasticidade há uma honestidade em “Barbie” que o torna um filme marcante e memorável.
4 Comments
Pingback: Os Indicados ao 30º SAG Awards - Cine Eterno
Pingback: Os Indicados ao 76º DGA Awards - Cine Eterno
Pingback: Os Vencedores do 29º Critics Choice Awards - Cine Eterno
Pingback: Os Indicados ao Oscar 2024 - Cine Eterno