Os 7 de Chicago (“The Trial of the Chicago 7“, 2020); Direção: Aaron Sorkin; Roteiro: Aaron Sorkin; Elenco: Yahya Abdul-Mateen II, Sacha Baron Cohen, Daniel Flaherty, Joseph Gordon-Levitt, Michael Keaton, Frank Langella, John Carroll Lynch, Eddie Redmayne, Noah Robbins, Mark Rylance, Alex Sharp, Jeremy Strong; Duração: 129 minutos; Gênero: Drama; Produção: Stuart M. Besser, Matt Jackson, Marc Platt, Tyler Thompson; País: Estados Unidos; Distribuição: Netflix; Estreia no Brasil: 16 de Outubro de 2020;
Mais de 45 anos após o fim da Guerra do Vietnã, iniciada em meados dos anos 50, atingindo seu auge nos anos 60, durante o governo do presidente Lyndon Johnson – alçado ao poder decorrente da morte do então presidente Kennedy – muitos americanos ainda se questionam quais foram os reais motivos do conflito e quais foram as justificativas plausíveis culminantes na maior derrota do poderio bélico estadunidense -para os vietcongs- e, consequentemente, na morte de milhares de soldados americanos.
Os Estados Unidos passavam, em meados dos anos 60, uma série de movimentos em prol dos direitos civis dos negros e pelo fim das políticas institucionais de segregação racial. Com a consolidação do conflito, a altíssima rejeição serviu como uma das principais bandeiras dos movimentos da contracultura – como os hippies. Inevitavelmente, a nação estava fragmentada, o então presidente Johnson sofria grande desgaste, ao ponto de desistir de seu direito à reeleição. A escalada de um discurso conservador, travestido de um falso patriotismo a fim de justificar a necessidade da guerra, conduziu Richard Nixon à presidência do país.
A fim de oxigenar a rebeldia, advinda principalmente dos jovens, usou-se de um julgamento político de 8 indivíduos, que protestaram, com intenções pacíficas, na convenção do partido democrata, que escolheu o candidato que seria derrotado por Nixon, na cidade de Chicago em 1968. As manifestações, sem aval da prefeitura da cidade, findaram em conflitos violentos com a polícia local, resultando em vários feridos.
Os oito sujeitos a serem julgados eram líderes de diferentes movimentos sociais, servindo de bode expiatório da construção de uma narrativa: aqueles que ousavam se opor ao conflito, se manifestando, estavam apelando para o ódio à América, torcendo para que o pior acontecesse. “Os 7 de Chicago”, segundo filme do roteirista (e agora diretor) Aaron Sorkin, ilustra os mais de 120 dias de julgamento, contando em paralelo os eventos que resultaram naquele processo.
Sorkin foca na controvérsia entorno de dois personagens: Abbie Hoffman (Sacha Baron Coen) e Tom Hayden (Eddie Redmayne). O primeiro, líder do partido Hippie, tenta um enfrentamento direto contra o sistema. Já o segundo, era liderança de movimentos pacifistas anti-guerra, porém, pregava um tom moderado, de conciliação. Em meio aos dois, indivíduos que participavam ativamente desses movimentos, como Jerry Rubin (Jeremy Strong). A inclusão do “oitavo” membro dos réus, Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II) foi meramente política: ele estava na hora e no lugar errado, entretanto, não tinha nada a ver com os movimentos. Membro dos Panteras Negras, foi incluído como tentativa de enfraquecer os movimentos negros, em insurreição e perplexidade após o assassinato de Martin Luther King Jr – posteriormente ele foi excluído do processo.
Apesar da quantidade imensa de personagens, o roteiro de Sorkin consegue, ao propor essa cisão interna dos réus, desenvolver essas duas partes, que são mediadas pelo advogado de ambos (Mark Rylance). O tom do roteiro é bastante didático, foge um pouco daquele ritmo frenético de diálogo extremamente expositivo, levando o espectador a ficar atento aos detalhes. O uso de tiradas e alívios cômicos são artifícios usados com requinte, em momentos apropriados, embora o estereótipo de hippies seja bobo, até apequena personagens interessantes.
Estruturalmente, o longa soa excessivo, maçante. Sorkin, como roteirista, consegue construir diálogos rápidos, relações dinâmicas, instigar o seu público em ficar atento e curioso pelo desenrolar. Como cineasta, demonstra em seu segundo trabalho frente às câmeras, a carência de um fazer cinematográfico. De transpor seu roteiro em imagem, construindo um cinema essencialmente próprio. Ficando naquele limiar do filme de “tribunal”, não agregando a nada e bebendo muito pouco da fonte de grandes produções do gênero, como “12 Homens e Uma Sentença”. Sorkin consegue construir grandes momentos, usar da relevância temática para fazer um claro diálogo com os movimentos recentes do Black Lives Matter – sobretudo com o personagem de Yahya – mas acaba ficando por aí, finalizando com aquela sensação do que foi visto não correspondeu ao verdadeiro potencial: não apenas pelo tema ou pelo estrelado elenco, mas como pequeno como cinema.
Os antagonistas do filme, encarnados nas figuras institucionais do promotor (Joseph Gordon-Levitt) e do juiz (Frank Langella) revoltam o público, porém soam um tanto superficiais, por tentar humanizar o personagem de Levitt, mas ficando num limbo. O trabalho feito na desconstrução do suposto heroísmo dos personagens nos renda um debate interessante. Sacha Coen está em seu melhor momento, uma tremenda revelação. Michael Keaton tem uma participação magnética. Frank Langella arrebenta num personagem extremamente difícil. Mark Rylance numa sobriedade absurda, sendo elevada à medida que o personagem é posto em xeque. Por fim, Yahya Abdul-Matten II (“Nós“) se reafirma como um ator em plena ascensão, bastante versátil. Tem uma presença arrebatadora, numa sequência que causa espanto e revolta. Aquela de ficar na cabeça após o término do longa.
“Os 7 de Chicago” propõe bastantes debates, induz a várias reflexões e dialoga muito sobre como as instituições manipulam a lei a fim de uma narrativa e de um projeto político. Com um roteiro verdadeiramente bom, fica a dúvida do que o filme seria nas mãos de um diretor com maior domínio e compreensão sobre linguagem cinematográfica. Consegue ser interessante, mas está bem longe daquilo que poderia ser, deixando uma sensação de frustração após seu término.
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